Topo

Leonardo Rodrigues

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Cometi a loucura de limpar meu LP com cola de madeira, e não me arrependi

Reprodução/YouTube
Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

09/06/2021 04h00

Alguém me disse que CDs são melhores que o vinil porque não possuem ruído de superfície. Eu respondi: 'Cara, a vida tem ruído de superfície'.

Se você gosta de disco, é bem provável que já tenha lido a frase acima, em inglês e atribuída ao radialista britânico John Peel, ou nas redes sociais ou em algum adesivo descolado por aí.

Releve toda a romantização em torno dos ruídos. Existe um óbvio ululante aqui: nenhum disco foi feito para reproduzir barulhos nem nada além do som gravado nele.

Um LP só deveria 'estalar', salvo casos de defeito de fabricação ou sobrecarga de energia estática, em duas situações: quando ele está arranhado ou precisando de limpeza.

Esta segunda razão, aliás, é extremamente recorrente em usados, que às vezes aparentaram estar seminovos na loja, mas na hora de tocar estalam feito ovo sobre frigideira engordurada.

O que fazer para evitar isso? Dica deste datilógrafo: passe cola de madeira

Mas hein?

Parece insanidade, mas essa técnica insólita de limpeza profunda, que dispensa as caras máquinas de sucção a vácuo, funciona e muito bem. Ela ganhou fama a partir de 2011, por causa deste vídeo abaixo que hoje soma mais de 4 milhões de views.

Eu já conhecia essa gambiarra que poderia ter sido inventada no Brasil, mas nunca tive coragem de testá-la até quatros anos atrás. Foi quando me deparei com o vídeo abaixo, em que o vocalista Sebastian Bach, do Skid Row, revela ter ressuscitado sua coleção depois de ver sua casa destruída pelo furação Irene.

Sim, Sebastian Bach, o tio/tia que todos gostariam de ter, mudou minha vida.

ele fala sobre o assunto em 3m19s, mas veja tudo. É inteiramente impagável

Mas voltando: se você quiser se aventurar nesse tipo de limpeza, aí vai um passo a passo

1. A primeira coisa a fazer é colocar o LP no seu toca-disco e ligá-lo. Mas, em vez de posicionar a agulha, você irá despejar a cola aos poucos, em forma circular, como se estivesse preparando um bolo cheio de glacê.

2. Sem desligar seu aparelho, agora é hora de espalhar a cola por toda a superfície, até bem próximo do selo. Use uma "ferramenta" —pode ser espátula de silicone, pedaço de cartolina, cartão de crédito velho—, para espalhar a cola por toda a superfície dele, até bem próximo do selo.

3. Fez tudo certinho? Então deixe o disco secando em um local arejado por cerca de 10 ou 12 horas —dependendo da umidade, pode demorar até mais. Secou? Repita o procedimento do outro lado do LP.

4. Retire a cola seca a partir da borda puxando com a unha ou usando uma fita adesiva. Não tenha medo. Se você jogou a quantidade certa de cola, ela sairá rígida e facilmente, toda de uma vez, e terá a forma de um "negativo" de disco.

Fim

Feito isso, seu antes empoeirado disco dos anos 1970 terá de novo um som claro e brilhante, com muito menos ruídos. Não deu certo? É só repetir o processo.

Essa técnica é funcional porque a cola captura a sujeira, a gordura e os microrganismos que ficam incrustados e praticamente inacessíveis no fundo e nas paredes dos sulcos do vinil, que são os "buracos" por onde passeia a agulha.

E discos usados, que passaram anos acumulando e prensando a poeira, empilhados de forma equivocada —o ideal é armazená-los na vertical—, acabam sofrendo com isso.

Quando menos sujeira, mais fiel será a leitura física do vinil e, consequentemente, seu som.

A lógica é parecida com a das máscaras de limpeza de pele

Mas, como tudo na vida, há pontos pontos negativos que precisam ser considerados

  • Usar cola dá trabalho e leva, pelo menos, um dia.
  • Você precisará de bastante material e algum dinheiro, já que cada disco demanda cerca de 63 gramas de cola, que deve te custar cerca de R$ 4 ou R$ 5 por LP.
  • A retirada da "máscara" cria, momentaneamente, estática na superfície do disco. E isso pode atrair um pouco de poeira e resultar em algum ruído na primeira reprodução.
  • A técnica não recupera arranhados. Só serve para limpeza.
E isso é tudo.
Discos com cola de madeira - Leonardo Rodrigues/UOL - Leonardo Rodrigues/UOL
Imagem: Leonardo Rodrigues/UOL

Dicas de um datilógrafo que já usou bastante isso daí

Não compre qualquer cola. Prefira as amarelas. Sem nenhum intuito publicitário, a que mostrou melhores resultados em meus testes foi a Polyfort premium, da marca Pulvitec.

Cola de madeira - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Também é importante não despejar muita cola nas bordas do disco. No momento de espalhar, elas podem derramar para fora dele, sobre seu toca-disco ou invadindo o selo do LP. Não queremos isso.

Antes de tentar trazer de volta aquele "Chega de Saudade" de João Gilberto, edição original que pertenceu a seu avô, é de bom grado treinar a técnica com um disco "cobaia". De preferência compacto. Assim, você não desperdiça cola.

Vale a pena fazer isso mesmo?

Muito, principalmente em LPs muito sujos. Foque neles. É fácil identificar a sujeira colocando o vinil contra a luz. Se refletir uma luz opaca e sem brilho, está ele clamando por limpeza.

E também não custa dar uma lavadinha no disco antes de recorrer à cola, usando detergente neutro e algodão, conforme ensina este vídeo. O resultado será ainda melhor.

PS: a técnica da cola funciona com outros tipos de grude, mas sem apresentar a mesma eficiência.