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'CD genérico' do cantor Ralf tentou mudar a música, mas esbarrou no sistema
O sertanejo Ralf, da dupla com Chrystian, tinha um sonho: acabar com a pirataria no Brasil introduzindo um novo tipo de CD. Ele seria uma espécie de "genérico", produzido a preço de custo e vendido a módicos R$ 5, contra os R$ 30 praticados em média na época, preço que ele mesmo considerava abusivo. Parece maluquice, mas esse projeto tem nome e saiu do papel.
Batizado de SMD, o produto rendeu uma patente milionária e uma parceria com a maior fabricante da América Latina. Infelizmente, essa história não terminou de maneira exatamente feliz, mas se tornou um dos capítulos mais curiosos da mídia física no país e por isso não poderia deixar de ser lembrada nesta coluna.
Você se lembra do SMD?
A ideia foi apresentada por Ralf em 2003. Os prejuízos causados pela venda de CDs piratas eram grandes na época. Inquieto e de espírito inventivo, o cantor procurou amigos e especialistas em tecnologia.
Alguns telefonemas e reuniões depois, uma nova ideia de mídia emergiu para combater um problema que já abocanhava 60% do mercado musical brasileiro. Estava criado o Semi Metalic Disc. Este abaixo.
Mas que tipo de disco era esse?
Como a própria sigla indica, o SMD era um disco preenchido apenas parcialmente com o material metálico do CD. E esse preenchimento variava de acordo com a duração dele, sem sobras ou desperdício. Uma peça inteligente, com a mesma qualidade de áudio e compatível com qualquer a aparelho.
Para chegar ao patamar de "original com preço de pirata", Ralf idealizou uma embalagem mais simples, com o disco encartado em envelopes em vez de caixas acrílicas e encartes em versão reduzida.
Dessa forma, segundo ele, custos de produção cairiam em aproximadamente 30% —cada disquinho custava R$ 1,40 para ser fabricado. A ideia, ousada, era que artistas e desenvolvedores abrissem mão de margens de lucro por disco para recuperá-las com o volume de vendas.
E, falando em cifras, elas não eram nada baixas
Ralf patenteou o projeto com apoio do Ministério da Cultura e um investimento de R$ 3 milhões. Foram realizados registros de patente em mais de dez países. Também foi fechado um contrato de produção com a fabricante Microservice.
De acordo com o cantor, que bolou o conceito após comprar uma fita K7 da cantora Tracy Chapman por US$ 2 em Los Angeles, os SMDs eram perfeitos tanto para artistas consolidados como para iniciantes, que podiam vendê-los ao público sem intermediários em shows.
Mesmo com esse início auspicioso, que contou com interesse da indústria dos games, é bem provável que você nunca tenha ouvido falar em SMD. E existe um motivo.
Além dos próprios Chrystian & Ralf, apenas nomes independentes —como eles já eram na época— se arriscaram no formato "made in Brazil", como Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro e outros internacionais. As gravadoras disseram "não" à mídia.
O argumento dos executivos: o SMD não renderia lucro dentro das margens esperadas. E alterar cláusulas contratuais e a forma de trabalhar em nome do que viam como "aventura" de um cantor sertanejo estava fora de cogitação na época.
A negativa foi um golpe duro a Ralf e ao SMD, que ainda precisava competir com as embalagens estrangeiras Digipack e Digifile, que também prometiam reduzir custos e foram abraçadas pela indústria.
Mas Ralf tem uma teoria sobre o ocorrido, que envolve peitar o poder econômico estabelecido
Os caras [gravadoras] sempre se acostumaram a ter o domínio de tudo. Tudo o que é feito está na asa deles, e há uma dificuldade imensa em aceitar que os produtos que dão dinheiro pra eles vão ser comercializados com uma criação de alguém de fora. Com o SMD eles ganhariam muito mais, mas a ideia não partiu deles.
disse ele em entrevista ao UOL
Sem citar nomes, o sertanejo-compositor-inventor se queixava da falta de visão de certos empresários e artistas, que teriam contribuído para um "boicote" generalizado ao SMD. Seria, parafraseando o "rei do camarote", uma "inveja"? Talvez.
Tem uma dupla muito famosa que viu meu disco, analisou e viu que a ideia era realmente boa. O cara chegou pro Chrystian e perguntou: 'Toda vez que eu vender um, o Ralf ganha algo?' Meu irmão respondeu que sim, afinal a patente é minha. Então você entende a mentalidade? Tem coisa que é complicada.
E que fim levou o SMD?
Mesmo lançando no formato desde 2005, Ralf viu os anos se passarem e o mercado mudar na última década. A chegada das plataformas de streaming fez a pirataria deixar de ser fantasma. E as vendas de CD, que já vinham em baixa, foram à lona. Assim, o SMD perdeu sua razão de ser.
A Sony Music —agora dona da Som Livre— já encerrou a fabricação de CDs e DVDs no Brasil, e a tendência é que isso ocorra em breve com outras empresas. O sonho do empreendedor Ralf virou história de colecionador. Uma história corajosa e saborosa.
E certamente será assim pelo menos até as futuras gerações redescobrirem os disquinhos prateados, transformando-os em um nicho rentável como hoje é o dos discos de vinil. Nesse cenário, os SMDs até poderiam ter uma nova oportunidade. Mas eu não arriscaria meus tostões nisso.
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E até o próxima datilografada!
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