O super-herói da Marvel que está escondido em uma capa do Pink Floyd

Há mais coisas entre Pink Floyd e seus ouvintes do que sonha nossa vã filosofia. O grupo britânico virou lenda pela música e por seus inúmeros mitos e teorias conspiratórias, inclusa a famosa "sincronia" de "The Dark Side of the Moon" com o filme "O Mágico de Oz".

Mas existe uma intersecção pop, muito mais factível, que já passou incólume por fãs e até por este escriba na coluna sobre mensagens escondidas: uma das capas da banda foi estrelada por um personagem da hoje bilionária Marvel, ninguém menos que o Doutor Estranho.

Espie bem e dê um zoom mais abaixo na arte de "A Saucerful of Secrets" (1968), segundo trabalho do Pink Floyd e o único a contar simultaneamente com os guitarristas Syd Barrett e David Gilmour.

Em meio à colagem psicodélico-expressionista de inspiração astrológica, bem do lado direito, está a silhueta do herói feiticeiro, quase como uma marca d´água, interagindo com esferas planetárias —uma delas, adicionada posteriormente, contém a imagem dos integrantes.

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E mais: no alto à esquerda, vemos ainda a figura opaca do Tribunal Vivo, personagem cósmico que na história existe desde o início dos tempos para manter o equilíbrio e proteger o multiverso. Pasmem, eles sempre estiveram ali.

O universo imagético foi retirado da edição 158 da HQ "Strange Tales", publicada em julho de 1967 nos EUA. Da trama "The Sands of Death", que retrata o encontro do Doutor Estranho e o Tribunal Vivo.

Na cena, flutuando em um espaço interdimensional, a entidade ameaça destruir a Terra fornecendo uma visão apocalíptica. Strange vê um "S" de planetas que entram em colapso e se dirigem a um pináculo galáctico de destruição.

O momento foi ilustrado por Marie Severin e escrito por Roy Thomas (o cocriador do Doutor Estranho, Steve Ditko, havia deixado a Marvel pouco antes). E caiu como uma luva na estética do Pink Floyd.

Para além da conexão geek, a capa de "A Saucerful of Secrets" tem outros motivos para ser histórica. É a estreia do lendário artista gráfico Storm Thorgerson, em parceria com Aubrey Powell, no universo das artes de disco. Época em que o estúdio Hipgnosis, que assinaria "The Dark Side of the Moon" e "Houses of the Holy", do Led Zeppelin, entre tantos outros, era só um embrião.

De acordo com Thorgerson, que apresentou o conceito a partir das coordenadas do grupo, o Pink Floyd queria se afastar da imagem de seu primeiro disco, "The Piper at the Gates of Dawn", que contava com retratos psicodélicos e roupas de multicoloridas. O mesmo visual de vários outros grupos. E por isso queriam trazer alguém de fora da gravadora EMI para desenvolver o conceito da capa.

Importante ressaltar que, naquele contexto e época, o underground universitário britânico dos anos 1960, o Doutor Estranho vivia um boom de popularidade entre artistas. Suas características peculiares chamavam atenção.

Criado em 1963 pelo desenhista Steve Ditko e pelo roteirista Stan Lee, o personagem possuía poderes místicos, interpretados por muitos como a expansão da consciência. Contrastava com heróis clássicos e seus hábitos de resolver entreveros na base da porrada. Os imaginários casavam perfeitamente.

"A capa [de "A Saucerful of Secrets"] é uma tentativa de representar coisas em que a banda estava interessada, coletiva e individualmente, apresentadas de maneira compatível com a música. Bordas em espiral e borradas dialogando com astrologia e Dr. Estranho se fundindo a um milhão de milhas de distância de certas experiências farmacêuticas. Foi o disco em que eles começaram experimentar com músicas mais extensas"
Storm Thorgerson (1944-2013), em entrevista em 1998

Em tempo: nem Marie Severin nem Roy Thomas foram creditados na arte criada pela Hipgnosis e provavelmente não receberam um centavo por isso

Considerado um álbum de transição entre a fase lisérgica e a melódico-progressiva do Pink Floyd, "A Saucerful Of Secrets" é um dos álbuns menos conhecidos do grupo e um dos que menos vendeu. E a Marvel, então apenas uma editora de quadrinhos tentando equilibrar as contas para se manter relevante, parece não ter se incomodado com a apropriação artística.

Mas a relação entre o grupo e Doutor Estranho é ainda mais elástica

Um ano depois, em 1969, o personagem voltou a ser citado pelo Pink Floyd, agora nominalmente, na faixa "Cymbaline", composta por Roger Waters para a trilha sonora do filme "More".

"As folhas estão pesadas ao redor dos seus pés / Você ouve o trovão do trem / De repente, você percebe que eles estão se aproximando / E o Doutor Estranho está sempre mudando de tamanho", canta calmamente David Gilmour.

Coincidência ou não —arriscaria que não— a faixa foi batizada originalmente com outro título: "Nightmare". Nightmare (Pesadelo) é o nome de um dos primeiros inimigos do Doutor Estranho.

Outra história conhecida, confirmada pelo chefe da Hipgnosis Aubrey Powell, é a de que Surfista Prateado, outro personagem da Marvel, chegou a ser cogitado pelos designers para estampar a capa de "The Dark Side Of The Moon" e por pouco não parou lá.

Você gosta de easter eggs? "Interstellar Overdrive", hino experimental do Pink Floyd de 1967, aparece em uma das cenas mais importantes do longa "Doutor Estranho", lançado em 2016.

Em outra, o protagonista Benedict Cumberbatch aparece trajando uma camiseta do disco "The Madcap Laughs", estreia solo de Syd Barrett, fundador do Pink Floyd.

O intérprete do Estranho expandiu os limites dessa sincronicidade quando se juntou a David Gilmour em um show de 2016, mesmo ano do filme, para cantar "Comfortably Numb", como você pode conferir abaixo.

O título original de "Comfortably Numb"? "The Doctor". O médico que na letra do álbum "The Wall" oferece remédios ao protagonista Pink antes de ele se apresentar em um show.

Os resultados são tão psicotrópicos quanto as forças divinas do mago supremo da Terra, também conhecido como nosso amigo Estranho.

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E até a próxima datilografada!