Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Paulo José, Tarcísio, Nicette, Xênia: para que a vida não se perca na morte
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Quando a morte de Paulo José era confirmada na noite de quarta (11), minha sogra, de 75 anos, falava no Facetime com seu neto mais novo, meu filho de 4 anos. Enquanto via as estripulias da criança, dizia: "Ouço as notícias da vacinação dos jovens e me animo, claro, mas fico pensando em Tarcísio e Glória. A conta agora só vai chegar para nós aqui, idosos", ela dizia temerosa.
Ela se referia a Tarcísio Meira e Glória Menezes, casal de atores da Globo internado com Covid. Eles têm 85 e 86 anos respectivamente. Glória tem alta prevista, Tarcísio faleceu na manhã de quinta (12). Ambos estavam vacinados com as duas doses. Eu suspirei. Faz um ano e meio que só suspiro tentando em vão evitar ao máximo o número de mortes ficando em casa o máximo possível. Mas até para gente resistente como eu está na hora da retomada cuidadosa.
A mensagem avisando os jornalistas sobre a morte de Paulo chegou durante essa conversa. Paulo não se foi de Covid. Lutava bravamente com o Parkinson há anos e, segundo a Globo, emissora em que trabalhou por décadas, a causa da morte foram as complicações de uma pneumonia.
É difícil não se sensibilizar com a morte, mesmo quando leva alguém em idade avançada (Paulo tinha 84 anos). Pensei em dona Nicette Bruno, atriz, uma das mulheres mais gentis que conheci, que morreu de Covid no ano passado. Sua voz invade minha memória enquanto eu escrevo, graças a seus numerosos trabalhos na TV. Pessoalmente, nos encontros que tivemos graças ao jornalismo, ela esbanjava doçura, educação e muito profissionalismo. Alguém para se copiar.
O mais novo aprende e exalta o mais velho
Penso então em Selton Mello. No início da semana, ele dedicou seu Dom Pedro II, na novela Nos Tempos do Imperador, ao amigo Paulo José. Devia saber das complicações de saúde do ator e fez a homenagem discreta. Selton e Paulo atuaram juntos em O Palhaço, primoroso filme de Selton repleto de ternura e respeito pelos mais velhos. A amizade dos dois, que têm quase 40 anos de diferença de idade, é bonita e cheia de aprendizado. O mais novo sempre que pode exalta o mais velho.
Conviver com idosos é um privilégio que a gente nem sempre aproveita, estabanados que somos nessa fúria de ser jovens.
Talvez a moçada que vai se vacinar em alguns dias não saiba de quem eu estou falando: os hábitos de consumo de entretenimento mudaram e nenhum adolescente é obrigado a ver novela na sala como única alternativa de distração com os pais. Nesse sentido, e em muitos outros, uma pena. Nos fechamos em bolhas etárias e estamos perdendo a capacidade de passar conhecimento e sabedoria de geração em geração. A morte de Paulo José e a de Nicette Bruno, antes, simbolizam um pouco isso. Que virem holofotes sobre suas carreiras para que quem cresce agora entenda suas importâncias.
Como consumir Paulo hoje
A GloboPlay fez um carrossel de trabalhos de Paulo José em seu aplicativo de streaming na noite de quarta que deve ficar em destaque por um tempo. Excelente oportunidade de conhecer o trabalho do ator. "O Palhaço" de Selton Mello está lá. Há novelas também.
Para começar, eu sugiro "Todas as Mulheres do Mundo", filme de 1966 que ele protagoniza com Leila Diniz. Flavio Migliaccio também está no filme: ele foi parceiro de Paulo no seriado Shazam, Xerife & Cia, de 1972, lembrado muito lembrado até hoje. Flavio se suicidou em 2020.
O Rio de Janeiro de "Todas as Mulheres..." é outro: há 55 anos atrás é possível ver as construções de prédios na orla. O privilégio de conviver com idosos: minha sogra descreve a cidade nessa época exatamente como vemos na tela. Esse filme virou série com Emílio Dantas e Sophie Chatlotte, e passou na TV em 2021, depois do Big Brother. A edição de meio século atrás, em preto e branco, é moderna e cheia de elementos pop. O personagem principal vivido por Paulo parece um homem metido a moderninho que viveria nos tempos de hoje.
Leila, morta precocemente em um acidente, foi a primeira mulher a se deixar fotografar grávida de biquíni na praia, nos anos 70. Chocou o mundo ao amamentar a filha em frente às câmeras. Falava palavrões e dizia coisas sinceras sobre amor e sexo. Quantas coisas podemos fazer livremente hoje só porque alguém teve a coragem de fazer primeiro?
Minha profunda solidariedade a quem não pode mais ligar para a avó no Facetime essa noite e aprender alguma coisa nova. Falo também por mim: gostaria de saber o que a Dona Julia teria a dizer sobre tudo isso.
Que saibamos passar para nossos filhos o cuidado com os idosos, pós vacinação: diálogos, ricos e respeitosos para que as vidas não se percam na morte.
A gente pode falar mais disso no Instagram.
PS: Inevitável escrever tudo isso sem pensar na minha amiga Xênia Bier, para quem eu gostaria de ligar agora. Ela me diria histórias debochadas de bastidores de todos os atores que eu citei e me convidaria para comer um bolo de chocolate em sua casa. Mas também se foi em 2020 e há sempre o amargo gosto de não termos aproveitado esse encontro suficientemente.
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