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Game of Thrones? Com Jon Snow do amor moderno, série satiriza concorrência
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Quando assisti o episódio de Modern Love "Estranhos em um trem (de Dublin)", com Kit Harington, dormi mal. Você o conhece como Jon Snow, em Game Of Thrones. A outra protagonista é Lucy Boynton.
A história começa em um trem europeu, como a trilogia de Richard Linklater "Antes do...". No início, uma garota confortavelmente instalada em um poltrona dupla, espalha seus livros pela mesa em frente e deseja arduamente que ninguém se sente ali. Há um desejo de viajar sozinha.
Até que Michael entra no trem. Escandalosamente bonito, a faz mudar de ideia. Ele tem um impulso de se sentar ali, mas muda de ideia e escolhe a poltrona do outro lado do corredor, em frente a uma garota que ela chama de sósia de Angelina Jolie.
A viagem passa, Angelina Jolie vai embora, e os dois protagonistas começam a conversar. Descobrem-se opostos, ficam mais interessados ainda. Percebemos então que a viagem acontece no início de março de 2020, em um período incerto de fechamento de tudo, bem no início da pandemia.
A empresa de Michael concedeu 15 dias de folgas para todos. A faculdade dela fechou as portas pelo mesmo período. Eles não têm a menor ideia do que vem pela frente, como nós também não tínhamos, naquele período. Acham que 15 dias vão passar rápido, ainda assim estão incomodados com a privação da liberdade por duas semanas. Tadinhos.
Harrigton é um ator famoso mundialmente. Por 10 anos no ar na série de maior repercussão da HBO, acaba ficando marcado pelo protagonista que interpretou. Jon Snow é um homem justo, apesar de um pouco inseguro, que salva todo mundo. Ele morre e ressuscita, se apaixona pela mulher mais poderosa dos reinos, salva todo mundo de novo, é fiel, é leal, charmosamente melancólico, e decide a trama de maneira surpreendente (tive a delicadeza de poupá-los do spoiler, mas tenham vergonha na cara e vão ver Game of Thrones).
Quando atores ficam marcados pelos papeis que o deixaram mais famosos, parecem esquisitos em outros personagens. Kit em Modern Love, não. Ele está perfeitamente encaixado em seu Michael — que, diferentemente de Jon, não crê no inexplicável, não tem lá muita ética (quer furar o lock down, por exemplo, pensando mais nele que no coletivo), e é divertido.
Mas o público desavisado que começa o episódio surpreso ("Olha, é o Jon Snow") pode dialogar com o próprio roteiro. Paula é medievalista ("Tipo Game of Thrones", sugere o irmão de Michael em uma conversa). Quando estão saindo do trem, ele diz que vai para o Sul. E ela afirma que o cenário parece uma "evacuação antes do ataque".
A guerra dos tronos do entretenimento
No Brasil, há um tempo, o mercado audiovisual, especialmente para a líder de audiência, Globo, acreditava que o sucesso dependia de não citar a concorrência. Em poucas situações, como o sequestro de Silvio Santos, por exemplo, o nome do SBT foi citado num telejornal dos Marinho. No troféu Imprensa, do SBT, a primeira vez que um ator global foi liberado para receber um prêmio das mãos de Silvio Santos foi em 2002 — e o nome dele era nada menos do que Tarcísio Meira.
O que chamamos de guerra dos streamings atualmente mostra um caminho bem diferente. Além das citações claras ao clássico da HBO, esse episódio específico de Modern Love, na Amazon, faz sátira com os romances água com açúcar da outra concorrente ("está pensando que isso aqui é um romance da Netflix?", diz um personagem). O protagonista que não gosta do mundo irreal é flagrado assistindo "O Senhor dos Aneis", em outro momento.
A própria Netflix não tem pudores em citar outras marcas. Só para citar um deles, "Eu Nunca" tem uma personagem declaradamente fã do reality show 90 dias para casar, da Discovery.
Esse raciocínio é interessante porque se nota a ficção copiando um comportamento comum nas redes sociais. Lá, podemos ver as marcas grandes audiovisuais interagindo como se fossem velhas comadres. Quem ganha? Todo mundo, mas o público principalmente, que ganha mais entretenimento. A guerra dos tronos está mais para um bate-papo na poltrona.
Antes da pandemia acabar
Mas obviamente não foi isso que me tirou o sono após assistir "Estranho em um Trem". Eu não conseguia dormir por pensar em como março de 2020 era desconhecido. Como transformou nossas vidas, mudou nossas relações com as datas.
A pandemia fez com que deixássemos de nos reconhecer nos velhos estereótipos que criamos para nós mesmos.
Michael não gostava daquilo que não podia explicar, mas depois de duas semanas vivendo o inexplicável pandêmico, sendo privado do ir e vir, dormindo e acordando sem ter ideia do que viria amanhã, ele se pega entretido por Frodo em um filme tão inexplicável quanto a série em que uma mulher tem dragões de estimação.
Eu não sei bem o destino de Michael e Paula depois daquele encontro no trem (eles não viram Jesse e Celine? Não sabem que isso pode não dar certo por anos?). E também não sei muito bem o meu próprio destino um ano e meio depois do início do enclausuramento.
Mas espero sinceramente que o final seja feliz para todos nós.
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