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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Renan Calheiros usa CPI pra entreter com metáforas: merece vaga de Leifert

Renan Calheiros (MDB-AL): retórica televisa para falar de vida real - Pedro França/Agência Senado
Renan Calheiros (MDB-AL): retórica televisa para falar de vida real Imagem: Pedro França/Agência Senado

Colunista do UOL

30/09/2021 04h00

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Vejo com desconfiança quem assiste a CPI todos os dias na TV Senado como se fosse entretenimento. Por mais bizarras que sejam as situações na investigação, por mais que lembrem um reality show de quinta categoria, por mais inacreditáveis que sejam as atitudes e falas de membros da comissão e depoentes... não pode ser divertido.

Mas tem dias que o paralelo com entretenimento é inevitável. Coloque políticos de retórica irretocável em uma sala. Ponha também alguns incapazes de juntar sujeito e predicado com sucesso. Misture brasileiros folclóricos da mídia. Tempere com mentiras facilmente desvendáveis. Acrescente a esse combo o fato de o evento ser televisionado 24h por dia e os resultados mexerem direto com nosso passado, presente e futuro.

É difícil um programa de televisão ser mais circense que isso tudo. E o senador Renan Calheiros sabe disso.

Nunca é demais lembrar que as pessoas interrogadas estão ali por terem sido coniventes com práticas equivocadas que podem ter contribuído para matar quase 600 mil pessoas na maior pandemia do século, num país que está entre os campeões de mortes no mundo.

Mas mesmo sabendo desses fatos, é impossível não achar certas cenas familiares. Uma delas foi o discurso de abertura na quarta (29), protagonizado pelo senador Renan Calheiros, momentos antes de interrogar Luciano Hang — aquele com apelido irresistivelmente pejorativo que envolve sua idade e o nome de sua rede de lojas.

Um senador na eliminação do BBB

Renan discursou com tantas metáforas e cinismo que lembrava os discursos dúbios escritos por Tiago Leifert antes da eliminação de integrantes do BBB. No reality global, Tiago usa as comparações para causar reações nos participantes — sem saberem o que acontece aqui fora, o jeito como eles entendem o que o apresentador disse pode render audiência futura.

O senador usou as palavras da mesma forma, como se tivesse o poder de eliminar Hang da CPI e da mídia. Começou comparando pessoas a bufões do escárnio. "Nós temos ouvido e mostrado ao país alguns personagens. Essa é a qualificação mais adequada dessas macabras figuras", ele disse para as câmeras. Depois continuou, afirmando que bobos da corte usam trajes que sejam úteis para agradar o rei e desviar a atenção, criando uma cortina de fumaça. Ao lado dele e de outras dezenas de políticos vestidos de preto, Hang usava um terno verde bandeira, uma gravata dourada e uma máscara verde com a bandeira do Brasil estampada.

Renan segue sua fala conduzindo associações com o universo circense: "fanfarras mortais", "entretenimento em picadeiro de morticínio" e "globo da morte" são outras expressões usadas enquanto condena aqueles que defendem a imunidade de rebanho inexistente. "Trapezista morre quando pensa que sabe voar", ele profetiza. Leifert pediria para o eliminado sair da casa logo depois dessa frase de efeito.

O discurso já aumentou a tensão na casa (da comissão, não do BBB) antes mesmo do início das perguntas. Flávio Bolsonaro pediu a voz para dizer que aquelas eram ofensas pessoais. Acabou o próprio filho do presidente dizendo, com todas as letras, que o senador havia sugerido que o empresário era um palhaço. Renan negou. Hang não se pronunciou sobre a fala na hora — fez o Fiuk, digamos.

Uma gritaria aqui e outra ali, Renan afirmou que não contribuiria para elevar a temperatura da casa. Outros presentes tentaram continuar a metáfora do circo, sem sucesso. Quem nasce para No Limite não chega a Tiago Leifert, nem Pedro Bial.

Não é reality, é um drama real e seríssimo

A comissão veio de um dia difícil da terça (28). Impossível ouvir a fala da advogada Bruna Morato, que representa os médicos da Prevent Senior, sem ter enjoo. "Óbito também é alta", ela reportou que se escutava nos corredores do hospital. Os protocolos internos pediam que eles usassem o kit covid (composto por remédios que notadamente não funcionam). Evidências se acumulam de que os pacientes foram submetidos a um teste humano sobre a eficácia de um remédio sem serem avisados. Parece um filme de terror. Ficção de qualidade duvidosa. Mas é o Brasil de verdade.

A brutalidade desse Brasil é muito difícil de engolir. Depois de um dia desse, quando Hang entra pela mesma porta, com seus trajes espalhafatosos, dizendo que defendeu a economia no momento oportuno, é tentador ver como algo leve, fanfarrão. O telespectador brasileiro dá um suspiro e diz: "isso eu aguento". O bufão e suas cortinas de fumaça, como sugeriu Renan, dão uma aliviada quando a vida real está puxada demais.

É mais ou menos o que nos atrai nos reality shows. Mas um jogo desse que está sendo desvendado na CPI mexe com nossas vidas aqui fora. Com nossos medos. Com nossos mortos. Aí é papo sério demais.

Renan Calheiros, no entanto, podia aproveitar esse talento todo para algo mais palatável. Parece que a Globo está com vaga aberta para a apresentação de um reality show importante. Ia ser muito mais agradável ouvir seu texto bem escrito se não tivesse gente de verdade morrendo enquanto ele discursa.

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