Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Todos sofrem: Lilian Ribeiro nos lembra que mostrar que sente dor é normal
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Quando Lilian Ribeiro, da GloboNews, aparece de lenço na cabeça na frente das câmeras, ao vivo, na segunda (8), ela transforma algumas regras do jornalismo. Conta que tem câncer, diz como está vivendo a doença, emociona o público e colegas de trabalho com sua força. E, então, trabalha.
Na faculdade de jornalismo, algumas décadas atrás, aprendi que jornalista deve ser isento. Entre muitas outras coisas, isso quer dizer reportar as notícias sem dizer coisas pessoais. Não deveríamos, até então, ser protagonistas de nada. Somos apenas o veículo para que a informação chegue ao público.
Na TV, havia mais regras: a faculdade ensinava que o jornalista deveria se vestir de uma maneira totalmente neutra. Sem nada que chamasse mais atenção do que ele vai dizer. Emoções à flor da pele, nem pensar. Um jornalista, até bem pouco tempo atrás, não poderia, por exemplo, dar uma entrevista para um veículo sobre si ou chorar quando descreve algum fato.
A pandemia já rompeu algumas dessas regras. Não foram poucas as vezes em que repórteres choraram ao contar as atrocidades sanitárias que vivemos nos últimos tempos. Nos emocionamos também quando as notícias eram boas. É normal chorar ao dizer que não morreu ninguém de covid pela primeira vez em 20 meses nessa segunda (9).
Mas quando Lilian expõe seu câncer e seu tratamento em rede nacional, ela transpõe mais barreiras. Muito já havia sido quebrado pelas redes sociais, onde os jornalistas se mostram pessoas normais, com filhos, amigos e rotina distantes das bancadas para milhares de seguidores. E são muito queridos. Mas Lilian vai além. Ela mostra que um jornalista pode, sim, sentir. Pode estar frágil, pode precisar de apoio religioso, pode torcer por dias mais felizes para si. E depois trabalhar, de maneira extremamente profissional, como ela fez.
Algo mudou em nossa maneira de sentir as notícias. Como nós, brasileiros, nunca vivemos uma guerra na pele, em 2020 e 2021 foi a primeira vez que assistimos o noticiário sedentos por informação que nos aliviasse de alguma forma coletivamente — público e jornalistas queríamos o mesmo, o fim da pandemia. E queremos agora a cura de Lilian.
Essa profissão é danada: a jornalista não tem direito de chorar enquanto fala de um assunto pessoal que deve ser extremamente pesado para ela. Mas é segurando a voz embargada que nos mostra que é possível e justo que ela sinta — e que todos nós também sintamos com ela.
Uma das frases mais faladas da semana foi o verso de Marília Mendonça, morta na última semana: "ninguém vai sofrer sozinho, todo mundo vai sofrer". Lilian sabe que ao relatar o que vive, nos leva a sofrer com ela. Mas eu pediria licença a Marília para dizer que ninguém vai lutar sozinho também. Sofremos ainda o luto de tantas mortes, a carga de uma pandemia que nos deixou profundas marcas — todos juntos. E agora lutamos com Lilian.
Todo juntos.
Enquanto a gente puder sentir a dor do outro e tiver coragem de mostrar a nossa própria, parece que o mundo tem salvação. Ninguém vai sofrer sozinho, mas quando chegar a hora de comemorar, vai ser coletivo também. Do jeito que o brasileiro gosta. E Lilian vai noticiar a festa sorrindo também.
Há dias sofridos de luta, hão de vir os dias de glória. Sentir e mostrar o sente é sinônimo de força. Às vezes a gente engole o choro. Às vezes chora alto também. E, quando chega a hora, sorri.
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