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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Largados e Pelados Brasil: machismo não aparece só em reality de namoro

Renê e Sati: discussão por machismo desestabiliza dupla em Largados e Pelados - Reprodução discovery+
Renê e Sati: discussão por machismo desestabiliza dupla em Largados e Pelados Imagem: Reprodução discovery+

Colunista do UOL

20/11/2021 04h00

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O esquema você conhece: duas pessoas sem roupas são colocadas em lugares inóspitos e devem sobreviver sem abrigo, água ou comida por 21 dias. Esse é o mote principal do programa Largados e Pelados, que teve sua versão brasileira lançada em novembro pelo novo aplicativo de streaming discovery+.

No casting tupiniquim, pessoas bem diferentes: militar, vegetariana, caçador, professor de yoga, advogada e outros estereótipos naturalmente conflitantes estão entre os participantes. Mas, que surpresa, a maior treta entre eles — ou a que fez mais barulho na internet — foi causada pelo bom e velho pensamento machista.

Rene e Sati na floresta

Dois participantes encabeçam a discussão: Rene, um tatuador com grande experiência em caçadas, e Sati, uma antropóloga que vive no litoral. O homem tem fala mansa e até o terceiro episódio, lançado essa semana, não alterou o tom de voz nem ficou nervoso. Sati discordou do método do parceiro, se sentiu diminuída, tentou se impor, não foi escutada, se alterou e chorou.

Na questão de sobrevivência, Rene sai muito na frente de outros participantes do programa — brasileiros ou não. Sua cabana construída parece uma instalação, como se tivesse sido feita com ferramentas apropriadas. Sati coletou todo o material para a construção, o que a fez perder energia e questionar se era mesmo necessário fazer um espaço daquele tamanho. À noite, o abrigo serve principalmente para proteger do frio e os participantes nus costumam ficar muito próximos para evitar perder calor. Um palácio de bambu nas floresta de fato não seria necessário quando o primordial é se manter vivo e aquecido.

Rene é um cara que costuma ter muita certeza do que está fazendo. Preparado para a situação a qual se impôs no programa, ele não tem o hábito de se abalar com nada — nem com os palpites da parceira. Ele revida, sem elevar a voz, dizendo que para ela é mais difícil fazer as coisas porque ela tem seios. Depois atribui o nervosismo às oscilações hormonais. Ui.

Machismo é proposital?

Essas são falas extremamente machistas, sabemos. Não deve ser proposital: Rene quer manter Sati no programa, quer dar conforto a ela, respeita os momentos espiritualizados da parceira, provém alimentos e busca animá-la. Mas deixa escapar — enquanto tenta se esforçar para se manter no eixo e não se abalar — o machismo que está nele. E é óbvio que tem caras muito legais que reproduzem comportamentos machistas por aí. Mas não deviam, né?

Sati percebe: ela, como toda mulher, está acostumada a lidar com homens dando ordens, impondo suas vontades e culpando características femininas quando se dá o desentendimento. No fim, ele ordena de uma maneira suave que ela relaxe. A fala obviamente a inflama ainda mais. "Ele está acima da hierarquia há séculos. E não ouve nada. Para ele, mulher tem que relaxar", ela diz, tentando se acalmar.

Nos últimos meses, personagens machistas têm aquecido as discussões sobre reality shows nas redes sociais. Quando estamos vendo programas sobre relacionamentos amorosos, o comportamento fica mais nítido. Mas em uma relação de sobrevivência, em que as dificuldades como fome, frio, cansaço e medo se impõem tão significativamente, quem diria que seria o machismo que iria perturbar?

Sati contorna a situação muito bem. Apesar de incomodada e se sentindo vulnerável, sabe admitir que o parceiro tem muitas habilidades que facilitam sua permanência na floresta. Ele a trata como equipe — desde que ela aja como está na cartilha dele, claro. Mas o público não pode negar que, para o propósito do Largados e Pelados, que é sobreviver naquela situação por 21 dias, a cartilha de Renê tem mais acertos do que erros.

A gente tem sempre algo a aprender

É difícil para quem sabe muito sobre um assunto ouvir o outro — a soberba, o tal pecado capital, pode falar mais alto. Rene pode ser um cara legal, que pesca bagres de maneira extremamente inteligente, que mantém-se estável, que foca no objetivo, que aguenta tudo que a floresta impuser... mas a gente sempre tem algo a aprender, né?

Nesse caso, podemos dizer que atribuir qualquer nervosismo ao ciclo hormonal é uma cultura ultrapassada, que tacha as mulheres de malucas há séculos. E seios... bem, seios fazem alguns milagres e não impedem nada de acontecer. Pelo contrário.

Sati já parece estar aprendendo muita coisa com o parceiro sobre sobreviver na selva. Ele também pode se abrir e aprender um pouco com ela. Essa é a beleza das relações: de roupa quentinho em casa ou passando frio na natureza, a gente sempre pode aprender alguma coisa.

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