Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Jove e Zé Leôncio são o símbolo do estrago que faz um pai ausente
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Zé Leôncio (Renato Góes na primeira fase da novela Pantanal) não é um homem mau. Pelo contrário: correto e decente, ele tem os sonhos dele. Ele também tem muito amor pelo filho Jove, que na idade adulta é interpretado por Jesuíta Barbosa. Acontece que Zé Leôncio tem um probleminha comum aqui no Brasil: ele abandona o filho bebê sob a justificativa de "amar muito". Hm... veja bem.
Quase 100 mil crianças nascidas no Brasil só em 2021 não têm o nome do pai no registro. Isso quer dizer que seus pais não se importam com eles? Muitos, sim. Outros só não conseguem se aproximar mesmo e se vitimizam como Zé, se colocando no lugar de coitados. A saudade descabida que ele sente por 20 anos só complica uma relação que nunca seria muito simples.
Está sofrendo de saudade? Pega um avião e vai ver seu filho, homem! Pelo amor de Deus, por que vai fazer essa criança viver a vida inteira pensando em como seria se tivesse um pai presente?
O coração parte de ver o menino (interpretado por Guilherme Tavares) imaginando como seria o pai que ele acha que morreu. Ali com ele, sofrem tantos outros que vivem a ausência paterna há décadas. O dinheiro, que no caso de Jove na novela chega todos os meses, não supre o buraco de imaginar como seria viver ao lado do homem de quem herdou tantas características — e algumas ainda desconhecidas. No caso do brasileiro médio, que cresce sem pai, nem a pensão vem. E que seria afeto vira um rancor cruel que muda a vida desses filhos para sempre. Viver com mágoa é um desastre.
A mãe é pintada como vilã, o pai como vítima
Na história da novela, Madeleine de Bruna Linzmeyer é uma mulher narcisista que parece sempre entregar aquém do esperado para o filho — não o coloca para dormir, atrasa para pegá-lo na escola. A afetuosidade materna que ele espera depende da bondade de sua tia, que supre esse papel. É fácil detestar a mãe que tirou o filho do convívio do pai e mentiu para a criança a vida toda.
A identificação com a dor de Zé Leôncio é imediata: um pai que gostaria de conviver com o filho causa comoção. Mas o que ele fez de fato para que essa convivência se concretizasse? Não dava para visitar a cada 15 dias pelo menos? Não tem um meio termo entre raptar uma criança e criar em uma fazenda ou ficar 20 anos sem vê-lo? Ele podia fazer mais do que mandar o dinheiro e chorar pelos cantos.
A situação na novela toca porque tendo ou não o nome do progenitor no registro, muita gente sofre como o menino Jove pensando em como essa presença iria facilitar um pouco as coisas quando tudo fica difícil.
"Pai, vem me buscar", ele diz tocando seu berrante imaginário. A gente também queria ser pego no colo às vezes assim, mesmo quando chega na vida adulta supostamente livre das marcas que essa ausência deixou.
O pai vai fazer falta para sempre. Se Zé Leôncio pensasse nesse filho de verdade, pegava o primeiro voo para reparar isso. Quem vai fazer o caminho até o pai é Jove. Aí, juntos, vão tentar romper a parede criada pelos 20 anos de lacuna. Forjar uma intimidade que podia ser inerente. Ainda que, no caso deles, é uma oportunidade de repor de certa forma o que foi perdido.
Aí é levar toda a mágoa para construir algo bom. E reparar os erros ancestrais não os repetindo. Não seja esse pai. Não seja essa mãe. Individualidade é importante, sim. Criar filho também. Você pode discordar de mim no Instagram.
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