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Crime em cesárea: brasileiro transforma estuprador em celebridade nas redes
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A notícia chocou todo mundo — é impensável que alguém tenha coragem de cometer um crime sexual contra uma mulher em trabalho de parto. Como o fato contraria a lógica, enfermeiras do Hospital da Mulher, em São João do Miriti, no RJ, tiveram o sangue frio de filmar a cena. Para quem não teve estômago de ver o vídeo (o que eu de fato não recomendo), o médico anestesista Giovanni Quintela Bezerra fica atrás do lençol que normalmente separa a gestante do obstetra para evitar que ela veja sua própria cirurgia. Ali, distante dos olhares da equipe que realiza a operação no ventre da vítima, comete o crime — e depois limpa o rosto da paciente com um lenço, para apagar os vestígios do que havia acabado de acontecer. É asqueroso.
Durante a segunda (11), enquanto as pessoas comentavam o fato incrédulas, o número de seguidores do criminoso aumentava no Instagram. Muita gente foi até suas redes para xingar, mas nada explica o ímpeto de seguir uma pessoa que está na cadeia porque foi filmado estuprando uma mulher. Vontade de ver sua defesa? Interesse em assistir de camarote sua derrocada? Não dá para saber, já que é improvável que alguém que está preso mantenha suas redes atualizadas.
Horas depois, as fotos do perfil de Giovanni foram deletadas. Em contrapartida, surgiram novos perfis, falsos, com fotos do médico. No momento em que escrevo esse texto, são mais de 15 perfis semelhantes. Um deles, com mais de 10 mil seguidores. De onde sai a fissura dessa gente?
Crime derruba mitos
O absurdo do crime cometido pelo médico derruba alguns mitos do estupro. É impossível dizer que uma mulher submetida a uma cesárea estivesse "pedindo" para ser estuprada. A situação evidencia que não importa a roupa que estava usando, a hora em que saiu de casa, o quanto tinha bebido: mulheres são estupradas em qualquer condição. Até enquanto estão parindo em uma cesariana pela qual elas provavelmente nem precisavam passar.
A vulnerabilidade da puérpera ou da gestante em trabalho de parto choca a todos, afinal, todo mundo tem ou teve mãe.
Mas igualmente repugnantes são estupros de crianças, de mulheres que estavam de minissaia na rua, de moças que beberam demais em festas, ou daquelas que até queriam transar, mas mudaram de ideia no meio do caminho e disseram não.
Para todas essas situações existe um Giovanni Quintella Bezerra, que pode estar postando selfies no espelho, recebendo likes e ganhando seguidores.
O homem foi filmado por enfermeiras que suspeitaram de sua atitude ao ministrar anestesia em parturientes. No vídeo, é importante repetir, ele estupra uma mulher desacordada, que foi impedida de ver seu filho após seu nascimento e agora de ver a vida como era antes de sofrer um crime tão brutal. Não há como defendê-lo, pois há imagens que provam o delito. Mesmo assim, ele ganha seguidores nas redes, como se tivesse feito algo digno de louvor. Outros tantos cometem o mesmo crime — no Brasil, uma mulher é estuprada a cada 8 minutos. Quantos Giovanni será que não estamos seguindo também?
Enquanto a cultura do estupro não for combatida (desde o julgamento da minissaia até a quantidade de drinques que uma mulher tomou), corremos o risco de estarmos acolhendo criminosos virtualmente ou na mesa do bar. Que esse crime vire a chave daqueles que tentam culpar a vítima. Entre as atitudes nocivas está fazer perguntas como: "Mas será que foi estupro mesmo?" Fazer isso é duvidar de mulheres dilaceradas, como a puérpera que foi vítima do médico.
Quando todas estão juntas, somos mais fortes. Quando os homens são confrontados com uma cena repugnante como essa, talvez entendam o quanto é duro ser mulher todos os dias. Aí a gente começa a mudar o mundo. E mesmo em dias tristes como esse, por mais que seja difícil, há de se ter força para lutar e transformar. Você pode discordar de mim no Instagram.
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