Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O que você sente quando vê que Christiane Pelajo pediu demissão da Globo?
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Não sei direito o que ia fazer antes de começar esse texto e provavelmente você também não se lembra do que ia fazer antes de começar a ler. Essa angústia permanente que eu chamo de "mil abas abertas" é uma constante de qualquer profissão nos dias de hoje. Fazer mais, aparecer mais e ganhar mais parece uma tríade da vida do adulto de sucesso. Por isso, nos choca quando Christiane Pelajo informa que está se desligando da Rede Globo para cuidar dos próprios projetos.
Saber que um profissional que estamos acostumados a ver todo dia vai deixar a TV causa uma nostalgia vinda da falsa intimidade. É esquisito quando alguém deixa nossa casa e não podemos nem escrever de vez em quando para saber como está, né? Porém, além disso, a saída da jornalista da emissora aos 51 anos causa um estranhamento pela coragem de descansar. Isso nem todo mundo tem.
Lógico que não dá para ser leviana: pessoas bem-sucedidas na TV provavelmente ganham mais que a média do brasileiro. Ela teve a possibilidade de montar um pé de meia que não é sorte de todo mundo. Entretanto, mesmo com essa suposta vantagem financeira, quem tem coragem de recuar e ganhar menos? E consequentemente gastar menos? E possivelmente mostrar menos o que faz?
A gente vive uma fase em que vida e trabalho se misturam de maneira considerável. Desde março de 2020, quando o escritório passou a ser dentro de casa, nunca mais saímos do modo "work, work, work", como aquela música da Rihanna. Há até correntes em redes sociais que insistem na importância do descanso, mas o usuário passa por esse tipo de posts com a rapidez de quem precisa ver mais, fazer mais, olhar mais stories — seria uma utopia maluca de zerar a timeline infinita?
Enquanto isso, a vida passa pela janela. Enquanto a gente chora porque um chefe foi injusto, o sol se põe lá fora, uma criança brinca de Lego, alguém enche a casa com o cheiro do morango e açúcar no fogão para fazer geleia. Entre tantas abas abertas, a página em que você ia comprar o ingresso do cinema fica ali no meio esquecida. Amanhã à noite, entre cansado do furor da semana e entediado com a repentina letargia, vai tatear os bolsos em busca do celular pensando o que tinha mesmo pensado em fazer no fim de semana. Os filmes vão saindo de cartaz, outro fim de semana se encerra sem que você vá à praia. Cada vez que abre o livro que começou a ler nas últimas férias, uma notificação acende sua curiosidade e a tela do celular. O que eu estava dizendo mesmo?
Pelajo deve estar cansada como todo brasileiro. Talvez um pouco mais, já que está na linha de frente do jornalismo que desde aquele março de 2020 enfrenta incansavelmente uma fila infinita de crises que refletem no noticiário diário. Contudo, sua demissão escancara a coragem — que vai muito além da questão financeira — de saber quem é e o que quer para si. Pode ser vivendo com menos dinheiro. Pode ser vivendo com muito mais prazer por ter ao alcance a riqueza do tempo.
Não é para todo mundo. Que Christiane Pelajo brilhe nos novos desafios — mesmo que seja brilhar só para si mesma, o que eu já considero mais difícil que qualquer desafio corporativo. Por aqui, agora de longe, a gente segue na mesma torcida de sempre por ela.
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