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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que raiva de Claudia Leitte? Pelo menos ela não está fechando estrada

A cantora Claudia Leitte: esperar posicionamento dela essa hora parece uma estratégia equivocada - AgNews
A cantora Claudia Leitte: esperar posicionamento dela essa hora parece uma estratégia equivocada Imagem: AgNews

Colunista do UOL

09/11/2022 04h00

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Claudia Leitte está sendo cobrada por um posicionamento político. Não é a primeira vez que isso acontece. E nunca houve uma única vez em que essa cobrança resultou em um posicionamento político de Claudia Leitte. O que as pessoas esperam?

No último fim de semana, em Aracaju, o público de uma micareta a incentivou a entrar no coro pelo presidente eleito Lula. Um exagero. Por que um artista deveria enaltecer um político, mesmo que vitorioso, se não é o que ela acredita que seja melhor para o país? O legal da democracia, esse regime em que vivemos, é que é eleito quem a maioria escolhe. E os que não escolheram tem o direito de respeitar em silêncio. Ninguém é obrigado a adorar quem ganhou.

Na ocasião, ela emendou umas rimas (ou tentativas, porque não rimavam, mas tinha lá alguma métrica) sobre uma batida instrumental da banda. Parecia estar improvisando e dizia que não ia cantar o que o povo quer, só o que Deus quer, apesar de querer a mesma coisa que o povo no carnaval: que as pessoas se abraçassem. Depois, afirmou que o único símbolo que faria com as mãos seria um coração. Parecia estar brava, mas uma brava fofa como Claudia Leitte não fica brava nunca. Ela fez seu protesto enaltecendo o amor. O que o Deus de Claudia Leitte queria de fato, a gente não sabe.

Em janeiro desse ano, em show no Nordeste, o público entendeu que ela estava se posicionando contra o governo de Bolsonaro. Não era bem isso que a letra de seu rap (?) improvisado dizia. Depois de reclamar dos impostos, ela afirmava: "Eu vou seguindo protestando, eu vou lutar, eu vou vencer". Num discurso tão subjetivo, na primeira pessoa do singular, não dá para saber exatamente qual o protesto, qual a luta, qual a vitória.

O famigerado abajur de revólver

A cantora já postou um abajur em formato de revólver dourado e disse que foi sem querer. Imagina só, você dormir todo dia ao lado de um símbolo do armamento (e da morte) e só perceber que aquilo significa algo meio estranho quando as pessoas reclamam após observar o objeto em um story? É normal ter uma Bíblia embaixo de uma arma? Para Claudia era, ué, até o post viralizar negativamente.

Em maio de 2021, quando cerca de 4 mil pessoas morriam todos os dias sem vacina de covid, Claudia foi entrevistada no Altas Horas. Perguntaram o que a deixava indignada e ela respondeu que tinha um coração pacificador. Ela citou uma luz que acende e afasta a escuridão. 4 mil pessoas morrendo por dia seguramente não tinham a luz que a cantora sugeriu e não puderam afastar seja lá o que fosse. Ao ser cobrada por responder de verdade a pergunta, ela disse que "não sabia porque havia dado uma resposta evasiva", entre outras frases ainda mais evasivas.

Ela também já disse que não queria ter um filho gay, que pintinhos foram pisoteados por convidados em seu casamento e que é importante fazer sexo, mesmo que não estiver com vontade, para agradar o marido. Tudo isso com muita doçura na voz, muita educação, um jeito encantador de ser gentil.

Claudia é uma artista que trata bem jornalista, equipe e fã. Ela valoriza o que faz e quem a faz ser uma celebridade. Mas posicionamento crítico de fato nunca fez parte desse repertório. O que teria mudado em 2022 que faria seus fãs pensarem que nesse novembro algo seria diferente?

Ninguém é obrigado a fazer um L com a mão e entoar o "Olê, Olê, Olê, Olá". E, ao não fazer nada, não atrapalha quem faz. Não ajuda também, é verdade, mas um assunto de cada vez. Estamos lidando com artista de novela rezando pela volta do governo militar com uma galera na rua. Tem gente derrubando árvore centenária para fechar rodovia e atravancar o país só porque não sabe perder eleição. Tem gente compartilhando fake news, comprando voto, mentindo descaradamente, prejudicando gente doente, gente pobre, criança. Não é o abajur de revólver de Claudia Leitte que vai piorar esse cenário. Se o gosto para decoração é duvidoso, o silêncio em certas situações pode ser bem-vindo.

Agora, para quem faz questão de um ídolo que se posicione, dá para escolher outro: de Chico Buarque a Daniela Mercury, tem uma lista de gente que faria o que o povo pede. Claudia não está errada ao calar. Pior seria se estivesse falando besteira e prometendo, sei lá, homenagear alguém ao ganhar o hexa.

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