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Lição da semana: Bonner e Valmir Salaro mostram valor de reconhecer erro
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Conta para mim: qual foi o erro que você cometeu que mais te envergonha? É sempre difícil recuar alguns passos e olhar para o fato atenciosamente para entender onde foi que metemos os pés pelas mãos.
Por isso, impressiona o que o jornalismo televisivo fez essa semana: os jornalistas William Bonner e Valmir Salaro reconhecem equívocos de uma maneira que pode ensinar muito aos jornalistas. E também dá para dizer que pessoas de qualquer profissão têm algo a aprender com tais fatos.
É arrebatadora a forma como o repórter policial Valmir Salaro encara seu erro no documentário "Escola Base - Um repórter enfrenta o passado", disponível no Globoplay. O público se vê encolhido na poltrona enquanto esse homem, no auge de seus 42 anos de carreira e toda a experiência da profissão, se vê fragilizado ao encarar o caso mais marcante de sua vida. Ele foi o primeiro a noticiar a denúncia de duas mães que, em 1993, acusaram a escola Base, onde os filhos estudavam, de abuso sexual, após um laudo que comprovava que uma das crianças havia sido molestada.
O que se criou a partir desse primeiro equívoco — o laudo estava errado — foi uma sucessão de absurdos por parte da polícia e da imprensa. Tempos depois, os acusados foram inocentados — mas aí já haviam perdido o negócio, o patrimônio e a integridade perante o público. Não haveria, nem haverá errata ou documentário que corrija tais danos.
Há um momento em que Valmir, ainda repórter da Globo nos dias de hoje, 27 anos depois ao caso da Escola Base, diz fora da câmera que gostaria de pedir demissão. O áudio é captado antes que ele entre em cena, chateado. Logo depois ele se corrige, falando para equipe que vai honrar o projeto. Realmente dá para entender. Encarar profissionalmente as pessoas que você prejudicou na vida real é de uma complexidade... Durante todas as entrevistas que ele faz com as vítimas, que outrora haviam sido acusadas de vilãs, o repórter age de maneira profissional. Corajoso. Forte.
Eu me lembrei de uma situação em que fui confrontada pela atriz Débora Falabella em um papparazi — ela tinha razão em estar muito brava por ter sua vida devassada por mim e eu só conseguia chorar e pedir desculpas. Valmir segue ali firme, usando técnicas de entrevista para ouvir as vítimas. Louvável.
Um professor na faculdade disse uma vez que o jornalista não pode alegar ingenuidade. Em nenhuma situação de apuração se deve usar aquele argumento quase pueril de criança que fez algo que a mãe condena: "mas eu não sabia". Outras profissões podem até se valer desse trunfo casualmente. O jornalista, não. Valmir sabe disso e termina o documentário com uma frase corajosa: "Me desculpe por não ter percebido logo no início a inocência deles e a fragilidade da investigação policial". É louvável que, durante os quase 30 anos que o separam daquela apuração, ele tenha mantido a humildade de reconhecer seu erro. Não por acaso, foi o único a fazer isso de toda a imprensa que, à época, cobriu massivamente o caso.
"Se eu errei, eu não quero que meus colegas que estão vindo agora cometam o mesmo erro. Eu devia ter me colocado no seu lugar", ele diz a uma das vítimas. A frase vale para todo mundo que participa ativamente de apedrejamentos virtuais. Se colocar no lugar do outro pode evitar julgamentos injustos que chegam, em situações como a da Escola Base, a destruir a vida das pessoas.
A reação das vítimas é outra aula de humildade. "Eu te desculpo e quero que você se perdoe também", diz uma delas. "O erro ou o engano dos outros talvez fosse nossos se estivéssemos nas circunstancias dos outros", diz a dona da escola, já falecida, em uma carta que Valmir só abre agora. A força dessa frase vale para tempos em que a guerra política invadiu o almoço de domingo — ninguém está na pele do outro, mas entender que poderia estar facilita os diálogos que poderão vir na sequência.
Bonner reconhece ignorância
Desde que os protestos antidemocráticos tomaram o país após a vitória de Lula nas eleições, muita gente tem se referido aos manifestantes de uma forma equivocada, chamando-os de malucos. Várias instituições que trabalham com saúde mental alertaram para os danos do equívoco: se referir a algo negativo como louco, maluco, "de manicômio", ou portador de doença mental, atrapalha o trabalho sério que se faz com quem tem a enfermidade de fato.
Bonner cometeu um erro parecido ao tentar explicar algo que ele considerava não fazer muito sentido —- usou a palavra "esquizofrenia", como se ela representasse o que não se compreende. Dias depois, reconheceu o erro, se disse ignorante a respeito do assunto, afirmou que havia estudado e a contrapartida era uma série de matérias a respeito da doença para que mais gente aprendesse com o erro. Que maravilha!
Na situação da Escola Base, há um momento em que o filho da mãe que fez a primeira denúncia afirma em depoimento que não pode voltar atrás, pois a mãe ficaria brava. Pensei no meu filho, de 5 anos, que ontem inventou uma história no jantar e começou a se enrolar. Depois de alguns minutos tentando sustentar a mentira, se reclinou na cadeira e disse: "Sabe o que é? Eu inventei essa história, desculpe". Ficou constrangido, claro. Toda criança tem medo de confessar que mentiu ou que se equivocou. O que não dá para acontecer é a gente, adulto, jornalistas ou não, achar que é mais fácil varrer a confusão para baixo do tapete.
Bonner e Salaro ensinaram a lição. A gente pode aprender com eles ou continuar dizendo coisas que acreditamos sem ter lá muita certeza, só para não voltar atrás. Essa segunda opção me parece imatura demais para nos tornarmos seres humanos melhores.
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