Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Uma mulher narradora é estranho ou apenas não estamos acostumados?
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"É machismo se eu disser que não gosto da narradora da Globo?", perguntou um amigo num grupo de WhatsApp em que 80% dos integrantes eram homens. Enquanto Renata Silveira for a única mulher narrando uma Copa na TV aberta, sim. Quando elas estiverem em mesmo número do que os homens já consagrados, de quem conhecemos o trabalho há anos, poderemos ter algumas favoritas e falar mal daquelas que não agradam.
A afirmação simplista causou controvérsia: "não se pode dizer nada que já é machismo", "agora tem que gostar de toda mulher?", "não vou dizer minha opinião para não ser estraçalhado pelas meninas do grupo".
Gostar ou não gostar do jeito que uma pessoa narra o futebol é uma questão subjetiva. O próprio Galvão Bueno divide opiniões, mesmo sendo o número 1 da maior emissora do país há décadas. Tem quem odeie, faça campanha contra, ridicularize. E tem quem celebre como um ídolo carismático e use sua voz como fundo de vídeos divertidos no TikTok. Opinião, cada um tem a sua. Ué, então não pode odiar a Renata Silveira por quê?, vão me perguntar os caras.
Renata fez sua estreia na Copa na terça (22). Narrou o jogo Dinamarca e Tunísia. Foi lembrada pelo episódio em que narrava um jogo da Eurocopa e teve que segurar a onda de uma partida paralisada por duas horas com suspeita de morte de um jogador. À época, foi elogiada pela maneira como conduziu o assunto. Na quarta (23), comandou com emoção a virada do Japão sobre a Alemanha.
Mas dá para não gostar do estilo dela, sim. Só que é importante também pensar: eu não gosto de Renata Silveira ou não gosto de uma mulher no lugar em que sempre vi homens?
Ela tem um jeito de narrar diferente, que lembra a transmissão feita pelo rádio. Na TV, com o complemento da imagem na tela, daria para fazer uma descrição do que se vê com mais conversa. Um bate papo aqui, uma piada ali. A ideia é que o narrador seja um amigo do público. Aquele que conta o que está vendo e chama uma turma (repórteres e comentaristas) para acrescentarem pontos. O narrador te faz companhia.
Você quer que Renata te acompanhe nessa?
A gente não costuma ver jogo com quem acabou de chegar mesmo. Mas depois de um papo, aquele que quebra o gelo, pronto. Vira brodagem.
Não estamos acostumados a ver mulheres nesse lugar. Na TV, fomos criados com bordões de Luciano do Valle, Silvio Luiz, Luis Alfredo... além de vários outros que ainda estão em atividade no próprio Qatar em 2022. É com eles que construímos nossas piadas internas enquanto a bola rola.
José Silvério, Fiori Gigliotti, Osmar Santos estão na memória de quem acompanhava jogos pelo rádio, em uma época que o placar minuto a minuto no celular parecia um desenho animado dos Jetsons.
E mesmo que Luciana Mariano, Elaine Trevisan, Natalia Lara e Isabelly Moraes, juntamente com Renata, estejam conquistando essa posição, ainda falta muito para falarmos em equidade. Tanto que nessa Copa, quando todos os olhares se voltam para o futebol, foi a primeira vez que muita gente ouviu falar de falar da narradora de 31 anos. Ela está aí há quase três anos, conquistando respeito no mundo boleiro. Mas ainda incomoda pelo simples fato de ser mulher. Mesmo que não faça nada diferente dos caras, a não ser usar um timbre diferente de voz.
"Ah, não é nada disso, eu não gosto dela e pronto", vão me dizer os meus brothers e os leitores, de maneira um pouco mais raivosa. Tá bom. Há uma mulher entre os sete narradores da Globo e da SporTV no Qatar e você a detesta. Ok. Quando tivermos pelo menos três (nem vou falar em maioria), você vai ter uma favorita? Aí a gente vai entender se é machismo ou só opinião mesmo.
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