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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pegação da Farofa da Gkay é teste de resiliência para o trabalhador comum

Gkay: o coração do proletariado se aperta de inveja - Divulgação
Gkay: o coração do proletariado se aperta de inveja Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

07/12/2022 04h00

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Enquanto escrevo esse texto, entre caixas de papelão — que tipo de doido programa uma mudança para o período em que acontece a Copa do Mundo? —, alguém de quem nunca ouvi falar beija sete subcelebridades na Farofa da Gkay, revindicando assim a "pole position" da pegação da noite na festa mais concorrida do ano no brasil.

Agora que mudei o parágrafo, alguma velha conhecida dos sites de fofoca, de quem temos uma vaga lembrança antes da harmonização facial, acorda ainda meio bêbada após ter ido para uma sala escura com outros dois (quase) famosos. E assim que eu mudar de parágrafo novamente, ela vai contar tudo o que rolou em uma entrevista para um jovem universitário que vai postar uma selfie com o microfone em seu Instagram pessoal com a hastag #melhorjob. Em alguns dias, o cachê publicitário da moça que foi para uma sala escura vai bombar.

Aqui, eu e meus amigos tentamos nos livrar de 2022 como quem chega à parte mais complicada de uma gincana: a Copa do Mundo confunde-se com a decoração de Natal no comércio e ataca a ansiedade de quem quer dar conta das demandas profissionais sem perder aquele churrasquinho para ver as quartas de final na sexta. A chegada do verão parece a saída dele e chove mais em dezembro do que em março. As crianças ranhentas correm pela sala enquanto eu fecho o computador, às 21h, decidida a pedir uma pizza barata: me vê meia Richarlisson, meia amigo-secreto no capricho, chefe. Tá tudo meio confuso.

Chego a esse quarto parágrafo pensando que deveria comprar pão de alho e estocar pão de alho e me alimentar basicamente de pão de alho até a final da Copa (será que o Brasil passa da Argentina?). Enquanto eu dizia isso, 10 pessoas se lambiam concomitantemente na Farofa. Sem preocupação alguma que não seja ser jovem e pegar gente e contar pros outros que pegou gente. Uma micareta de faculdade para gente adulta. E também para quem está na faculdade. E para balzaquianas também, oras, eu vi o look da Fernanda Paes Leme e achei as fotos lindas (e o nome dela eu sei).

No ano passado, a Ômicron se avizinhava sem que soubéssemos, e a Farofa da Gkay me irritava porque enquanto trocavam ptialina (a enzima da saliva), talvez pudessem estar criando uma subvariante do coronavírus — como fala "farofa" no alfabeto grego? Hoje, percebo: covid é de longe a menor das minhas preocupações, eu só queria conseguir dar check na lista dos afazeres do dia antes que o dia acabasse ou a lista dobrasse. Ou ambos. Preciso encaixotar os brinquedos, tem peças de Lego na casa inteira. Enquanto faço isso, uma influencer come bife de ouro no Qatar, viaja direto para a Farofa e ainda lava o cabelo na pia do aeroporto. Cada um tem seu jeito de fazer o tempo render.

Na Farofa, não tem nada disso. Você acorda bêbado, cura ressaca no café da manhã de hotel, não tira nem o prato da mesa, pega o ex-BBB que escolher, mão aqui, mão ali — enquanto imagino essa cena, meto a mão numa caixa de penne Barilla e jogo o macarrão na água fervente para ver se improviso um almoço meia bomba pra criançada que já entrou de férias (não era para Deus ser misericordioso?).

Uma amiga empresária chamou os funcionários para dizer que sabia que ninguém seria produtivo em plena Copa do Mundo, bastava não tentar enganá-la fingindo que fez o que não fez. Na Farofa, não teria que passar por isso: chamaria o funcionário para pedir o retorno das funções do dia e ouviria a resposta sincera: "Beijei oito pessoas, transei com duas, lambi a orelha de três pessoas e meia, tomei dois litros de vodca com energético". Que sorte dessa galera.

Eu aqui tento fingir para mim mesma que sou produtiva (como autônoma, tento enganar a chefe que sou eu mesma), enquanto tomo olé de todo mundo que estava me devendo alguma resposta. Será que estão na Farofa usando roupas com recortes duvidosos e posando para fotos com a língua dentro de outras bocas? Prioridades.

Quando escrevo o penúltimo parágrafo desse texto, percebo que tudo não passa de inveja. Primeiro, porque detesto a sensação de não ter sido convidada para algo. Segundo, está difícil conduzir uma reforma e fazer mudança em dezembro, o macarrão amoleceu demais na panela, tem 15 pessoas me devendo textos. Mas mais do que resolver todas essas questões até sexta, às 11h45, para ver o Brasil engolir a Croácia com tranquilidade, o que o adulto funcional queria mesmo era ter tempo livre para se esfregar nos outros em uma festa num dia de semana. E tratar isso como um job: para ver se a contagem aumenta, os perfis de fofoca notam e os contratos publicitários turbinam.

Se o farofeiro não é o profissional mais dedicado em pleno dezembro de 22, eu não sei o que é. O cara veste a camisa, tira a camisa, dá o suor, esfrega o suor... é tudo que se espera de dedicação e mais um pouco. E agora chega, porque ja se foram muitos parágrafos e eu ainda não peguei ninguém. As caixas da mudança não se fecham sozinhas e logo a seleção entra em campo. Eu tenho mais uns 10 textos para entregar e, se vacilar, não beijo nem o moço que mora aqui em casa, que disse hoje de manhã que colocou até um vinho para gelar. Vai ver a sorte não é só para quem pode farofar no meio do expediente. Quem sabe?

Vocês podem me seguir no Instagram para ver se no ano que vem a Gkay me nota.