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Não é despedida: quantas Fernandas Montenegro cabem no tempo de uma novela?
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Fernanda Montenegro está jogando um suco de laranja na cara de Paulo Autran, no café da manhã mais memorável da história da TV brasileira. A cena, na primeira versão da novela "Guerra dos Sexos", está na memória de todo mundo. Fernanda Montenegro é Naná, de "Cambalacho", armando trambiques com Gianfrancesco Guanieri. Aí, ela está dentro de um avião, pilotando uma comédia no horário das 19h — e seu nome é Zazá.
Um ano depois, está andando, ríspida, no centro do Rio de Janeiro, enquanto um garoto a segue repetindo a frase: "devolve a carta da minha mãe". Alguns meses se passam e ela está sentada num teatro em Los Angeles, pois o filme de Walter Salles, "Central do Brasil", lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz.
Fernanda é Nossa Senhora, no "Auto da Compadecida", mas também é vilanesca Bia Falcão, de "Belíssima" — que apronta tudo que apronta e no final ainda foge com Cauã Reymond. Fernanda é Mercedes, uma senhora mística e sábia em "Outro Lado do Paraíso". É rádio, é novela, é teatro e é cinema (é muito cinema). Ela emana arte.
Quantas Fernandas Montenegro cabem em uma só?, se pergunta há décadas o púbico de novelas da Globo. Um porto seguro da audiência, a gente sabe que de onde ela coloca a mão (a cara, a voz inconfundível, o cabelo branco, o sorriso sereno) vem coisa boa. Como a gente faz sem a atriz em novelas?
Fernanda estaria em "Terra Vermelha", nova novela de Walcyr Carrasco que deve substituir "Travessia" no horário nobre em 2023. Mas ela não quer. Está cansada de trabalhar? Imagina. Aos 93 anos, resolveu se dar ao luxo de trabalhar muito, sim, mas no que ela quer. Está gravando um filme. E vêm mais projetos.
É sabido que gravar novela é um trabalho que exige muito dos atores. Por quase um ano, um tipo de abdução em função de um único personagem.
Talvez ela queira mais: quantas Fernandas cabem nos nove meses que dura uma trama das 21h? São incontáveis.
Só em 1981, ano de sua estreia em novelas na Globo, foram duas personagens, em "Baila Comigo" e "Brilhante". Ela tinha 52 anos. Havia estreado no teatro 31 anos antes, em 1950, e feito dezenas de peças, filmes, radionovelas e novelas em outras emissoras até chegar ao canal de Roberto Marinho.
É um privilégio do brasileiro ter convivido com a grande dama do teatro brasileiro com frequência quase diária na televisão por mais de seis décadas. A horda que critica a atriz por suas decisões políticas tem a voz abafada — Fernanda é gigante. Agora teremos a atriz quando ela quiser. É justo que assim seja — mas dá saudade, ué, claro que dá. O consumidor de novelas tem aquela ilusão permanente de que o ator que conhecemos há muito tempo é alguém da família, que sempre está ali.
A história de uma conhecida, no Rio, me vem à cabeça. A moça chegou atrasada com a filha em uma festa infantil de uma colega da escola e acabou entrando no apartamento para ter certeza de que estava tudo bem. No hall do lugar, a avó da aniversariante servia coxinhas em uma bandeja. Era Fernanda Montenegro.
Não é ilusão de telespectador, não. Fernanda é gente como a gente. Um gênio, um talento único. A maior que temos. E também uma avó que dá uma força para alimentar a criançada antes do Parabéns. Vida muito longa a Fernanda Montenegro.
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