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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Coldplay critica uso de celular no show: dá para se divertir sem registrar?

Coldplay faz show no estádio do Morumbi, em São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress
Coldplay faz show no estádio do Morumbi, em São Paulo Imagem: Adriano Vizoni/Folhapress

Colunista do UOL

11/03/2023 17h07

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Coldplay é uma febre, um sucesso, um megashow onipresente nos stories dos amigos paulistanos nesse fim de semana. Não basta ir ao espetáculo pirotécnico que eles fazem no palco, é preciso postar que foi. Será?

Chris Martin, vocalista da banda, discorda. E deu uma quase bronca na multidão que se acotovelava no gramado e arquibancada do estádio do Morumbi na chuva na noite de ontem, mas não abaixava o celular. Dá para se divertir sem registrar tudo o que acontece na sua frente?

Enquanto o Coldplay se preparava para entrar no palco, a vizinhança do estádio do Morumbi fervia por vários motivos. Além do trânsito relacionado ao show, havia o tráfego mais acentuado típico do começo da noite de sexta-feira na cidade e uma chuva pesada que caiu no meio da tarde e alagou trechos grandes na região. Árvores caídas e bloqueios feitos pela CET completavam o cenário de caos.

A rua da minha casa, que fica a cerca de 25 minutos caminhando do campo de futebol, ficou parada por cerca de três horas. E os vizinhos comentavam que era apenas o primeiro dia — a banda vai se apresentar por sete noites (provavelmente chuvosas) de março no local, algo que não costuma acontecer no Morumbi com grandes talentos internacionais. Todo mundo quer ver a banda e a expectativa aumentou ainda mais após o adiamento do show no fim de 2023, devido a questões de saúde de Martin.

Mas como quem não lotou o estádio na noite de sexta (nem na de sábado, domingo, segunda ou terça) vai saber que quem foi estava lá? Tem que filmar cada detalhe. A pirotecnia luminosa no espetáculo causa ainda mais "FOMO" (o medo de perder algo, em inglês) nos presentes. "E se as luzes forem mais bonitas ainda no minuto seguinte, quando eu tiver acabado de baixar o celular?", pensa o fã da banda.

E entram em uma piração de que é mais seguro filmar tudo, não ver nada direito e nunca mais assistir aqueles vídeos de novo. Que bobagem. A melhor alternativa parece ser a sugestão de Martin: "sem celular, sem câmeras, sem eletrônicos, pelo menos por uma música".

Coldplay precisa do público para que seu show seja completo. As pulseiras luminosas devem se mover para que a cena fique extasiante como é a marca do grupo. Quem filma, não pula. Se todo mundo filma, ninguém pula. Se ninguém pula, não tem Coldplay. Parece lógico, se até o pedido do vocalista para não filmarem está sendo — imagine só — filmado por um celular. Na cena, dezenas de outros empunhados por gente que quer registrar tudo. Para quê?

Eu, que saí a pé para jantar no bairro na noite de sexta e não fotografei meu prato antes de comer, concordo com Martin. Quando voltei para casa, intrigada com o furor que atingiu o bairro pela apresentação, procurei vídeos de shows anteriores no YouTube.

Todos os que foram feitos com o celular não passam a impressão que temos quando se vê captação feita por drone, de cima. Um espetáculo, de fato. O cidadão comum poderia se preocupar apenas em apreciar — foi para isso que ele pagou centenas de reais no ingresso.

A gente esqueceu que ter 30 mil registros no rolo da câmera do celular nem sempre quer dizer que vivemos o momento plenamente. Algo me diz que a música que Martin pediu para não ser filmada foi a melhor do show. Não saberei, porque não estava lá. Mas acho que quem pagou pelo ingresso e enfrentou o caos da cidade para ver a apresentação de perto merecia viver aquele momento bem mais que eu. Tem coisa que é só nossa, não precisa mostrar para todo mundo no Instagram.

Aliás, você pode discordar de mim lá mesmo, no Instagram.