Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Filme da Barbie: por que 1º trailer deixou todo mundo ansioso?
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Eu tinha uma agonia com a Barbie descalça: ela nunca baixava o calcanhar? Sou do tempo em que a boneca tinha mãos e cotovelos articulados, que sempre quebravam. Mas, depois de alguns anos, os braços ficaram estáticos de plástico mais duro. A minha boneca favorita deu uma evoluída nos anos 90 — até a cabeça que sempre caía passou a ser fixada de um jeito bem mais seguro. Mas o pé ficou para sempre em cima do salto, mesmo quando o salto saía do pé.
Por isso, a primeira cena do trailer do filme da Barbie, lançado pela WBD na terça (4), dá até um quentinho no coração. Com ares de comédia, direção de arte supercolorida, a belíssima Margot Robbie tira o salto, mas o pé continua ali, prontinho para o próximo scarpin. "Estão satirizando meu desassossego de infância", pensa o público empolgado. É bom rir da gente mesmo.
O filme vem acompanhado de um elenco altamente estrelado. Além de Margot, Ryan Gosling, Dua Lipa, Michael Cera, Issa Rae, Will Ferrell, e mais vários atores hypados do streaming como Connor Swindells, Ncuti Gatwa e Emma Mackey, de Sex Education. Isso também explica o oba-oba acerca do lançamento.
Barbie era um fascínio completo — mas seguramente deve ter abalado de alguma forma nossa percepção de nossos corpos. Não era só o pezinho que nunca pisava no chão que era irreal, mas também a cintura que não conviveria com as costelas de um humano, os cabelos perfeitos (desde que não vissem água), sempre lisos e loiros. Barbie virou adjetivo de moça impecável. Foi assim que eu cresci, sabendo que meus cachos castanhos e o cabelo volumoso não combinavam com o que se esperava de uma mulher. As amigas orientais, negras, gordas... muitas guardaram por certo tempo a frustração de não ser uma Barbie. E depois, na idade adulta, quando ficou claro que todos os corpos e mulheres eram bonitas, coube à boneca um certo ranço, por ter nos ensinado umas coisas erradas.
Mas ela continuou evoluindo — Barbies gordas, pretas, orientais, com deficiência passaram a fazer parte das prateleiras da loja de mercado. Ufa, até que enfim. Seguiam, entretanto, sendo perfeitas, organizadas, bem vestidas. Difícil ser uma Barbie quando se é humano.
Quando a boneca entendeu que poderia ser várias, e não apenas um estereótipo loiro, alto e fora do que é possível para uma pessoa, a vida real já havia tomado conta da minha geração. Não dava mais para sentar de joelhos, montar móveis de papelão ou madeira em uma garagem, juntar os brinquedos da garotada e fingir que vivíamos num mundo de plástico rosa até a mamãe chamar para o lanche.
Tem como não ver o trailer de maneira saudosista com tudo isso em jogo? Até a situação da cama — quando as vizinhas mais velhas nos explicavam que era preciso tirar as roupas do Ken e da Barbie antes de deitá-los juntos — é satirizada no trailer. A gente volta no tempo em que até a sexualização precoce (e equivocada, claro) parecia algo fácil de contornar: "Tá, eles já dormiram juntos. Agora já acordaram. Vamos vesti-los outra vez", retrucávamos meio sem paciência para aquela perda de tempo. As vizinhas riam com malícia da nossa inocência.
Minha formação de moda seguramente vem dos rituais complexos que minhas amigas e eu tínhamos com nossas Barbies. Montamos, com a ajuda de mães, avós e tias munidas de máquinas e costura e agulhas de crochê e tricô, um arsenal de roupinhas "piratas". Havia Barbie de pijama, Barbie com suéter de lã, Barbie com uma roupa igual à minha. Tinha também um chinelinho de crochê estilo pantufa de um centímetro de comprimento — como elas fizeram aquilo com uma agulha? Naquele tempo, eu tinha certeza de que seria estilista. Depois disso, nunca mais sequer consegui explicar para uma costureira como queria um vestido de formatura.
A fixação na boneca tem milhões de seguidores no Instagram, na página oficial do brinquedo, com fotos de extrema qualidade. Certo dia, me perguntaram aqui em casa: "por que ainda gostar da Barbie, se ela é o oposto a tudo que você prega?" Não soube responder. Vai ver é bom saber que a perfeição é de plástico, sei lá. Ou ela é aquela sua amiga antiga que pensa completamente diferente de você, mas por quem sempre se nutre algum afeto.
No filme da WBD, Barbie cai em seu carro rosa no que parece ser o mundo real. A nostalgia toma conta, como um Toy Story às avessas. Será que a gente pode rir com ela aqui fora, mesmo que a infância tenha acabado?
Será que, quando sair do carro e tirar o salto, a minha boneca favorita vai poder finalmente pisar no chão? Eu suspiro como uma criança: espero que sim.
Você pode discordar de mim no Instagram.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.