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De Mamonas a Marília Mendonça: sede do público por cadáver é digna de pena
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O que sente uma pessoa, em uma manhã chuvosa de sexta-feira, que recebe fotos de um cadáver no WhatsApp e acha uma boa ideia encaminhar para os amigos? A pergunta é honesta: por que existe essa sede de ver corpos reais em tragédias?
O assunto volta à pauta após a notícia de vazamento das fotos da autópsia de Marília Mendonça. O acidente de avião que a matou foi em novembro de 2021. Ao vivo, na TV, vimos o corpo coberto saindo em uma maca. A imagem de uma parte da saia estampada que ficou para fora do lençol está marcada no imaginário até hoje.
Depois disso, o corpo da cantora foi encaminhado para autópsia. Lá, provavelmente houve uma documentação fotográfica do procedimento. Até aí, tudo normal, dentro da ciência. O intrigante é que, um ano e meio depois, alguma das pessoas com acesso aos arquivos tenha achado divertido encaminhar essas fotos.
Desde os Mamonas
A situação de "viralizar" conteúdo de acidente começou em 1996 no Brasil, após a morte de todos os integrantes dos Mamonas Assassinas. As fotos do resgate, feitas por um bombeiro da equipe, foram repassadas por disquete ou impressas com péssima qualidade. Para mim, chegaram na porta de uma igreja católica, saindo da missa — juro. Uma aglomeração de jovens olhava fascinada para vísceras indecifráveis. Achei intrigante aquele interesse.
As imagens após a morte de Senna, dois anos antes — um dos acidentes mais marcantes da história do Brasil — não viralizou. Não havia internet comercial à época e a Fórmula 1 é repleta de sigilos. Tudo o que sabemos é o que foi televisionado.
Mas o interesse urubu em corpos dilacerados parece ir além da curiosidade mórbida. Se fosse questão de anatomia, hoje há todo tipo de aula na internet que mostra o funcionamento dos órgãos. Marília Mendonça é uma das raras unanimidades brasileiras na música brasileira. Não houve quem não lamentasse sua morte em 2021. Queríamos — todos — vê-la viva rindo, como na foto que estampa esse texto. Em que ponto nos perdemos do sentimento coletivo que sua morte gerou a ponto de que alguns de nós, agora, achem justo desrespeitar sua memória e sua família em interesse próprio de parecer descolado ao mostrar seus órgãos internos? Será que a galera não tem nada mais interessante mesmo para fazer em uma manhã sexta-feira? Minha sugestão é fazer uma tapioca, por exemplo.
E minha esperança é que a reflexão genuína tome lugar do imediatismo do compartilhar. O velho "e se fosse minha filha?" parece bem didático sempre. Mas o legal mesmo é pensar que é a filha do outro e mesmo assim a gente respeita. Até porque é a mãe do outro também — esse ainda na primeira infância. E o filho de Marília não merece tropeçar nessas imagens em 10 anos. Nem nunca.
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