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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Rita Lee provou ser possível andar com os meninos e fazer o que queria

Rita Lee, em 2014: andou com os meninos por seis décadas - Raquel Cunha/Folhapress
Rita Lee, em 2014: andou com os meninos por seis décadas Imagem: Raquel Cunha/Folhapress

Colunista do UOL

10/05/2023 04h00

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Os primeiros rapazes com quem Rita Lee andou, no começo dos anos 60, foram quatro moços de Liverpool que mudaram os rumos da música para sempre. Os Beatles não sabiam, mas havia uma adolescente paulistana que andava com eles para lá e para cá. Só que, diferentemente das mulheres do resto do planeta, essa não se contentava com gritos histéricos para demonstrar seu fanatismo: ela queria fazer rock como os ídolos.

Foi assim que, depois de algumas bandas com vários integrantes — entre eles, algumas mulheres —, acabou formando os Mutantes com os irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista. Enquanto, em 1965, era incomum que os pais liberassem as filhas para sair por aí com os garotos, Rita colocou seus parças dentro de casa. E o pai aceitou.

Rita transgrediu quase tudo na música brasileira. Liderou o rock pautado na rebeldia, usou seu carisma e boa aparência para enfiar o som que não era assim tão palatável na televisão. O mainstream aceitou. Foi ela que peitou os companheiros de banda para tocar parcerias com Gilberto Gil e Caetano Veloso, por exemplo. Na época, os Baptista eram contra qualquer coisa cantada em português. Sem ela, não haveria "Panis Et Circenses", "Virginia", "Ando Meio Desligado". Em português, sim, como um Lee Jones. Opa, pera. É isso mesmo. Rita fugia à lógica.

Normalizou o andar em bando, meninos e meninas lado a lado, em uma época em que a família tradicional brasileira dava voltas na praça do coreto: homens de um lado, mulheres do outro. Sentou no colo da polêmica, vestiu-se de noiva na TV, viu de camarote o país desfilar contra a sua guitarra elétrica, debochou lisergicamente, fez parte da Tropicália e foi parar em Londres mostrando aos amigos salsichas voadoras no céu. Foi a única rebelde? Não. Mas abriu caminho para a maioria delas nesse país.

Andou a vida inteira com os caras, sem perder em nada para eles — mesmo que o ambiente machista do rock não fosse tão convidativo como ela fazia parecer que era. E subia no seu jipe, atravessava a cidade, decidia figurinos: os brothers que fossem atrás.

Dá para pinçar na carreira extraordinária de Rita evidências de preconceito de gênero. O casamento com Arnaldo Batista tem vários desmandos do marido — não à toa, ela sequer falava sobre o assunto. O que era tóxico num casal refletia na banda. Em sua primeira biografia, afirma que foi expulsa por Sergio dos Mutantes. E que chorou, gritou, se debateu sozinha. Rita vivia sob o holofote e à margem ao mesmo tempo.

Se o relacionamento com Arnaldo era abusivo como parece ser pelo que dizem as biografias não autorizadas, ela felizmente se libertou do ciclo e foi adiante. Construiu uma carreira solo e ficou (é possível?) maior que Os Mutantes. Unanimidade. Um sucesso. Encontrou uma nova paixão, Roberto de Carvalho, e viveu o restinho da vida com ele (quase meio século), naquela história de amor de cinema.

Pode ser rebelde e viver um amor para a vida toda? É justamente isso que é ser rebelde, minha gente. Fazer o que não se espera.

Rita seguiu plena, entre os caras, dando uns selinhos na Hebe de repente (quem nunca? Mas só depois de RIta), cercada por grandes e fieis amigos. Rainha do nosso rock, largou o showbizz na maturidade e foi cuidar de seus bichos. Escreveu alguns livros. Lutou contra um câncer. Morreu em casa, andando com seus meninos, como sempre. Seus três filhos são todos homens. Uma banda.

A importância de Rita Lee Jones para mulheres que se sentem desencaixadas no mundo é gigante. Com ela, a gente aprendeu a pedir silêncio no berro e fazer barulho sozinha. E andar com quem bem entender, ué. Ficar lá na sala com esse tal de rock 'n'roll. Não é assim que faz? Rita Lee, sua danada, a ausência é um buraco. Você era nosso bando.

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