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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Robinho é indefensável; mas e aquele amigo para quem você passa pano?

Robinho: a impunidade revolta, mas e tantas outras vezes em que já vimos isso acontecer? - Marco Luzzani/Getty Images
Robinho: a impunidade revolta, mas e tantas outras vezes em que já vimos isso acontecer? Imagem: Marco Luzzani/Getty Images

Colunista do UOL

18/06/2023 04h00

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Os áudios que UOL apurou no caso Robinho são asquerosos. É preciso ser desprovido de humanidade para tentar colocar panos quentes na situação.

Um homem casado, seja lá qual for o arranjo de sua relação, se gaba de ter estuprado uma mulher que, de tão inconsciente, não o reconheceu. O triunfo era violentar uma mulher incapaz de reagir. O bônus era não ser reconhecido, como se, sob o anonimato que lhe foi subtraído desde muito novo, pudesse fazer o que tem vontade. E aproveita então para cometer crimes. É desprezível.

O coro dos boleiros finalmente engrossa contra o jogador condenado pela justiça italiana — aos quase 40 anos, não seria de grande utilidade nos gramados para o torcedor, portanto não cabe defendê-lo.

Mas fica uma pulga atrás da orelha: o que fazemos com aqueles conhecidos que sabemos que já agiram de maneira parecida?

A geração de Robinho, que é a mesma que a minha, tem inúmeras histórias de terror acerca de violência sexual para contar. O problema é que, ali, há décadas, o natural era normalizar a questão.

"Fulana? Ih, essa transou com todo mundo", diziam conhecidos sobre mulheres bêbadas envolvidas em verdadeiras arapucas das quais não se lembrariam no dia seguinte. O estupro coletivo era uma convenção social em que entrariam quantos quisessem. A culpa é exclusivamente masculina? Não dá para dizer que sim. O grupo de mulheres em volta aprendeu a julgar e naturalizar a situação com um pensamento que beira o "tava pedindo" para quem se alcoolizou. Como vítimas, não tínhamos coragem de sair do quarto berrando aos quatro cantos no dia seguinte — e ainda não temos, em grande parte das vezes. O jeito era recolher a roupa, engolir o choro, guardar o segredo e curar as feridas de maneira solitária.

O áudio de Robinho choca quando se dá o play em 2023, mas caberia em conversas abertas em bares universitários 20 anos antes. O embrulho no estômago dos presentes não tinha nome e a tentativa de reverter a barbárie era sempre responsabilidade da vítima. Não tinha internet que ensinasse o contrário. Não havia punição que alertasse para o equívoco do crime — e, se for pegar Robinho como exemplo, ainda não há.

Pergunto aos jovens universitários se a situação se repete e eles estranham minha pergunta. Nunca foram cúmplices de estupros de amigos com mulheres bêbadas?, eu repito. Garantem que isso soa como algo antigo, que todo mundo sabe que não se pode fazer algo assim hoje em dia. Uma fresta de esperança me invade.

Que pelo menos tenha doído para que pudéssemos ensinar algo para a próxima geração.

Mas e os filhos daqueles que eram garotos 20 anos atrás? Qual a versão da história que seus pais lhes contam? Como aprendem a ser mais ou menos homens? Enquanto o que se fazia há 20 ou 30 anos não for assunto aberto nas conversas de família, exposto como a atrocidade que era, teremos meninas saindo do quarto envergonhadas, recolhendo suas roupas sem se lembrar direito do que aconteceu.

Falar disso todo dia, seja o potencial agressor famoso ou anônimo, por mais indigesto que fique o jantar, é a única forma que a gente tem de se proteger.

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