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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na TV, Craque Neto ensina que mudar de opinião não é vergonha nenhuma

Craque Neto: o adjetivo virou primeiro nome - Reprodução/ Youtube/ Podpah
Craque Neto: o adjetivo virou primeiro nome Imagem: Reprodução/ Youtube/ Podpah

Colunista do UOL

21/06/2023 04h00

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Nesses tempos em que respeitar o próximo ganha apelido de mimimi, o Craque Neto é ouro na televisão brasileira.

O jogador é ídolo do Corinthians desde os anos 90, quando fazia jus à fama de maloqueiro do clube: teve briga, xingamento e cuspe na cara de juiz. Em um país em que é preciso ser o malandro para não ser o mané, Neto pendia para o primeiro lado. Se colocava em primeiro lugar nas polêmicas, falando o que pensava. No ambiente político como o futebol, não se preocupar com o que diz pode render alguma perseguição. Há quem discuta o fato de o jogador não tem sido convocado para a Copa do Mundo de 1990, por exemplo.

Porém, em 1991, abraçou de vez a alcunha de bad boy ao cuspir no rosto do árbitro José Aparecido de Oliveira, em uma partida contra o Palmeiras. Foi penalizado por meses. A atitude é de fato indefensável.

Décadas depois, poderia se valer do rótulo de perseguido pela imprensa esportiva e pelos árbitros mas, na carreira de comentarista e apresentador de TV, reverteu o jogo. O mesmo cara que saia gritando "eu sou foda" para a torcida adversária após fazer um gol (em uma época em que ninguém fazia isso), passou a dizer "eu errei". E como é bonito saber fazer isso.

Se há 30 anos desrespeitar o outro era um jeito se manter como o malandro da cena, hoje já não tem o menor cabimento se pensar assim. Ele admite publicamente que cuspir no rosto de um juiz negro foi racismo — na frente de Mano Brown, inclusive. Você assumiria ter sido racista para o rapper que tem fama de bravo? Neto vai lá e fala.

Nessa terça (20), após a morte de Aparecido, ele reforçou ter errado. "Então todos aqueles que são racistas, que possam ser como eu, antirracistas. Por que eu virei antirracista (...). Porque eu quero saber quem que é homem de chegar para o filho e falar que cuspiu no rosto de uma pessoa, de um negro e falar que foi racista pro filho, que fala na televisão e que consegue saber os seus erros e aprender com os erros", disse no ar.

Tiozão careta? Longe disso. No programa Os Donos da Bola, da Band, arruma briga com todo mundo. É seu jeitinho. De narradores de outras emissoras ao bad boy dessa geração, Felipe Melo, já chamou vários para a treta. Mas se coloca contra o machismo, a homofobia, o racismo. Explica, para uma audiência que pensa de maneira rígida há muitos anos, que é preciso ir atrás, crescer, estudar, mudar de ideia. Não é vergonha nenhuma perceber que dá para ser melhor do que era.

Na TV aberta, berrando para as câmeras, ele bota a molecada que o viu jogar só no YouTube para pensar — ser respeitoso pega bem em todo lugar. Neto maduro prova que precisa não ser malandro para não ser mané e muda o jeito de discutir a bola rolando.

E tem carisma para conquistar até o adversário que, dentro de campo, abaixa a cabeça contrariado para dizer: não é que o cara é foda mesmo?

Ah, se todo mundo fosse capaz de mudar de opinião como Neto...

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