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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Foi na Livraria Cultura que eu entendi que ser adulta poderia ser legal

O fim da Livraria Cultura: um dos palcos da transição para a vida adulta do paulistano - Zanone Fraissat/Folhapress
O fim da Livraria Cultura: um dos palcos da transição para a vida adulta do paulistano Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

Colunista do UOL

27/06/2023 10h24

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No fim do colégio, a gente se sente meio perdido. Sabe que tem que encarar a vida adulta, a faculdade, o primeiro emprego, mas sente uma certa nostalgia de passar as tardes empilhado no quarto de alguém com o uniforme da escola, adiando o momento de começar um trabalho em grupo enquanto fuma cigarros mentolados escondido.

Na vida do cidadão da região metropolitana de São Paulo, tem um adicional novidade nessa fase da vida: ao se tornar adulto, a gente começa a vir para a capital sozinho. O trajeto de cerca de uma hora é um passo para quem viveu até então do lado de lá das fronteiras invisíveis da cidade. É preciso encarar a metrópole para trabalhar, para estudar, ou quem sabe para dar um passeio na Paulista e comprar uns livros na Livraria Cultura.

Essas linhas são escritas com uma melancolia saudosista que encontra acolhimento nas redes sociais. O anúncio de falência da Cultura foi há meses, mas o fechamento na segunda (26) atinge meus ouvidos no carro, ouvindo a notícia pela rádio. Acabou então, é isso?, eu penso meio inerte. Acabou, ué, as coisas acabam, eu tento me corrigir. Ah, mas e agora?

Um carpete colorido, rampas amplas, pufes. Passear na Cultura era mais que comprar livros. Buscar o setor específico, folhear novidades que não se vê por aí. Conversar com gente, reconhecer semelhantes — o pessoal que gosta de livro finge que não, mas curte esse negócio de bater um papo.

Descobri muitas coisas no meio das estantes da livraria. Que era possível tirar o uniforme da escola, me descolar do bando, construir uma outra eu, que eu ainda não sabia muito bem onde ia se encontrar. E passar no cinema, que ainda chamava Unibanco, a alguns metros dali. Comprar uns discos na Neto? Parecia muito mais interessante, uma vastidão de possibilidades, do que fumar escondido no quarto de alguém. Foi ali, flutuando sobre o tal carpete que eu me descobri como uma ótima companhia. E até hoje, quando quero muito me reencontrar, é o tipo de programa que coloca minhas confusões no eixo.

O Unibanco não chama mais Unibanco e as salinhas pequenas 4 e 5 serão fechadas. A Neto não existe há anos. E na última mudança, eu me desfiz do CD player quebrado e ainda não tive coragem de comprar outro. Mas a Cultura seguia ali, guerreira, servindo gente como eu que gosta de papel, que grifa frases, que coloca post it e tira. Um oásis que permite viagem no tempo, intacto.

A comédia romântica Antes do Amanhecer tem uma sequência de cenas em que os lugares por onde o casal protagonista passou estão vazios. Eles se foram. Imaginei as rampas coloridas da Livraria Cultura desertas de nós, como se a houvéssemos abandonado. Depois corrigi a metáfora: é a gente que fica deserto do lugar que ajudou a formar nossa personalidade.

O que vão fazer nos corredores? Um Carrefour? Uma Havan? Para onde vai o jovem de 2023 que está tirando o uniforme agora, após ter perdido uma parte da adolescência em uma pandemia?

Como é que a gente busca a gente mesmo quando, abraçados num Kindle, tivermos esquecido da aventura que era aquele passeio?

Escrevo esse texto sob minhas estantes de livros. Admiro as lombadas coloridas pensando que a Livraria Cultura, fragmentada, veio um pouco para dentro de casa também. Não resolve a melancolia gerada, ms pode ser um jeito de contar a história para o meu filho. Pelo menos até ele achar um lugar para se tornar adulto também.

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