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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Xuxa, Gal e sombra que relacionamento tóxico deixa na carreira das mulheres

Xuxa no Quem pod, Pod: falar sobre relação tóxica pode levar anos - Reprodução/Youtube
Xuxa no Quem pod, Pod: falar sobre relação tóxica pode levar anos Imagem: Reprodução/Youtube

Colunista do UOL

13/07/2023 04h00

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Uma reportagem publicada na Piauí de julho expõe situações que mostram um provável relacionamento abusivo de Gal Costa com a esposa, Wilma Petrillo. O texto choca: Gal, Fatal, com o cabelo cheio de personalidade, a boca vermelha de batom, o rebolado, a voz mais potente e clara do país. Como pode uma mulher dessa não ter voz? É possível que um talento desses, uma potência dessas, uma rebeldia dessas.... tenha sucumbido aos desmandos de alguém que queria se aproveitar dessas características e fazer dinheiro?

O Podcast de Gioh Ewbank e Fê Paes Leme "Quem Pode, Pod" traz o mesmo assunto à tona, com personagem de características completamente diferentes: a jovem Xuxa, recém transformada em ídolo das crianças, sofria abusos da empresária, Marlene Mattos. Marlene era empresária de Xuxa desde 1983. Foi ela quem fez o Xou da Xuxa ser um fenômeno. As duas trabalharam juntas até 2002, o que totaliza 19 anos de parceria. E hoje, estão rompidas há outros 19 anos. Foi no documentário dirigido por Pedro Bial lançado nessa quinta (13), na Globoplay, que as duas se reencontram pela primeira vez.

Há um improvável ponto em comum nas carreiras de Xuxa e Gal: ambas ficaram famosas com estrondoso sucesso muito cedo. E não sabiam lidar com isso sem ajuda. A apresentadora diz que amava sua empresária, não no sentido sexual, como se prega nas fofocas, mas pelo suporte que tinha. "Eu deixei minha vida na mão dela. Ela tinha total controle de tudo e eu deixava que dissesse de quem deveria me aproximar, ou o que deveria comer. Não respondia as entrevistas por mim mesma. Só dizia o que ela permitia que eu dissesse", ela conta no podcast. "Eu queria ser protegida e ela me amava porque me amar era o trabalho dela", disse.

Gal conheceu Wilma mais velha e supostamente mais experiente. Já estava perto de completar 50 anos nos anos 90 quando passou o controle de sua carreira para a então namorada, com quem viveu ate o fim da vida. O período ficou sombrio na sua produção musical — a reportagem dá a entender que, diferentemente de Mattos, Petrillo não parecia ser muito competente na função de empresária. Dívidas, erros, apagamento do talento de uma estrela. A cantora passou a usar roupas mais escuras, ficou mais soturna. Embora sua voz fosse limpa e clara, ela não tinha voz, metaforicamente, para pedir ajuda.

O choque ao se deparar com essas histórias é pensar: mas nenhuma pessoa próxima fez nada? A pergunta é um jeito de culpar a vítima. Ninguém falou nada porque quando se trata de alertar uma mulher em um relacionamento tóxico é muito raro que conselhos surtam algum efeito. "Minha mãe tentou falar, mas eu não ouvia. Se alguém dissesse algo, eu contava para Marlene e ela dava um jeito de fazer a pessoa desaparecer de minha vida. As outras pessoas nem tentavam, já que eu estava tão cega que eu ia queimar o filme de qualquer um que ousasse", conta Xuxa.

Na maturidade dos 60 anos, e livre dos abusos há quase 20, a Rainha dos Baixinhos vive seu melhor momento. Fala o que quer, ama, ri, critica até políticos — uma seara em que nem todo mundo se sente seguro no show buzz. Não tem ninguém dizendo o que Xuxa deve ou não fazer. Mesmo assim, só tem força para colocar os pingos nos is agora, quase duas décadas depois — o efeito silenciador do abuso pode durar muitos anos. No trecho do documentário, diz para Marlene: "Eu tenho medo que as pessoas te vejam como um monstro". Tenho, no presente. Xuxa ainda zela pela imagem de quem tentou apagar sua individualidade por muitos anos.

Pelo que diz a reportagem da Piauí, Gal tinha interferências no jeito de trabalhar, era colocada em enrascadas financeiras causadas por má gestão, foi afastada dos amigos e ofendida publicamente, minando sua autoestima. Em uma conversa com Ney Matogrosso, dá a entender que sabia quem a estava prejudicando profissionalmente, mas não leva nada adiante. Morreu em 2022 sem que tudo fosse esclarecido — o caso só vem à tona muitos meses depois.

A redenção de Xuxa demandou coragem — e ela diz que só veio essa força com o nascimento da filha Sasha. É maravilhoso vê-la livre para fazer piadas, conversar sobre sexo, brincar sobre si mesma. Gal não teve tempo ou a mesma sorte. Discretíssima, não pôde se libertar da situação em vida. Mas eu prefiro lembrar dela assim: lasciva, sensual, talentosa e livre, como nesse vídeo com Jorge Ben, que é o símbolo da rebeldia gostosa de se ver. Não tem nada mais bonito do que ver uma mulher em liberdade.

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