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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Fui embora, meu amor chorou': morte de Dora, em Vai na Fé, é aula de vida

Dora (Claudia Ohana) em "Vai na Fé": despedir-se da vida também é privilégio - Globo
Dora (Claudia Ohana) em 'Vai na Fé': despedir-se da vida também é privilégio Imagem: Globo

Colunista do UOL

23/07/2023 04h00

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As cenas em que Dora (Claudia Ohana) se despede da vida e as pessoas que a amam se despedem dela, em "Vai na Fé", são de profundidade arrebatadora. Tristeza para quem fica, os personagens sentem o desaparecimento de uma pessoa querida com serenidade. Um privilégio.

Assistir à sequência da morte e o ritual de espalhar suas cinzas transporta para as outras tantas despedidas que vivemos do lado de cá da tela. Todo mundo perdeu gente querida. Todo mundo sente a dor de Fabio (Zé Carlos Machado). "Como pode a nossa única certeza ser tão dolorida?", me perguntou uma amiga dia desses.

A morte é minha velha conhecida, mas nunca pensei em olhá-la de frente como aconteceu nos últimos anos. Perder o pai na adolescência é um trauma grande — na suposta ordem errada dos fatos, vivi mais tempo com a ausência da pessoa que era mais importante na minha vida do que com sua presença.

Na juventude, a gente não tem o preparo para lidar com a perda. Duvido que em algum momento da vida se esteja de fato preparado para isso, mas a maturidade traz um jeito diferente de entender o que não pode ser mudado.

Viúvo na novela, Fábio está desolado, se perguntando como aprender a viver sem seu amor. Mas também se diz consciente de que acompanhar uma pessoa em seu processo de morte é um privilégio. Zé Carlos recita um texto primoroso, que descreve os quatro elementos saindo do corpo. O último é o ar. Nesse suspiro, a mão de Dora deixa de apertar a sua mão. A vida se foi. "Compartilhar esse momento é o mais íntimo que se pode viver", diz o personagem.

Claudia Ohana - João Miguel Júnior/Globo - João Miguel Júnior/Globo
Claudia Ohana como Dora em 'Vai na Fé'
Imagem: João Miguel Júnior/Globo

Em situações recentes da perda de amigos muito queridos, vivi semelhantes situações. A despedida é uma agonia lenta em que se passa por fases variadas: negação, revolta, tristeza profunda e, enfim, a serenidade. O entendimento que a vida do outro, que queremos preservar a todo custo para evitar nosso próprio sofrimento, se esvaiu.

Fica uma contraditória presença na ausência — essa que me acompanha há 20 e tantos anos, desde a morte do meu pai. Sua mão, sua silhueta, o som dos violões que ele fabricava. A dúvida de como seria a minha percepção adulta sobre sua personalidade. Não há um dia em que algum desses pensamentos não se faça presente.

Nas cenas lindas que mostram esse momento após o fim da vida de Dora, há um entendimento dos nossos próprios caminhos. A vida que pulsava nela fica eternizada nas memórias. Nas fotos, nos vídeos, nas frases que volta e meia voltam à mente.

Nas conversas que não terminamos ontem e ficaram para hoje, como canta Nando Reis sobre sua melhor amiga Cassia Eller — Nando a perdeu no mesmo ano em que perdeu Marcelo Frommer. O mesmo 2001 que me tirou meu pai.

Nessa fase da vida adulta que vivo hoje, a morte visita com mais frequência. Os pais dos amigos estão indo embora. Alguns amigos também. A república federativa (nem tão) cheia de árvores e gente dizendo adeus. Bruno, Rose, Daniel, Allanda, Edu e mais gente parecem acenar para mim enquanto Claudia Ohana sorri na tela. Arte acolhe.

"Vai na Fé" me abraça como se dissesse que, apesar das ausências que me acompanham, eu não estou sozinha. Que a gente possa falar sobre nossas perdas. Que possamos aceitar a certeza da morte com a tristeza que é justa, mas também com serenidade. E que a gente possa viver bem, dizendo eu te amo a torto e a direito, como bem entender. A matemática da vida é ilógica: dividindo, a gente soma, vê se pode.

Um abraço apertado nos tantos Fábios, Luis e Lumiars que choram a perda de alguém hoje e todos os outros dias. Uma hora a gente aprende a viver sem quem se foi — nunca fica mais fácil, só fica possível. E até lá, vamos viver.

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