Luciana Bugni

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Opinião

Frustração no show da Taylor Swift: como pais lidam com decepção de filhos

Idolatria na juventude é algo complexo: a gente que é adulto sabe que não é muito sadio, mas entende porque já esteve lá. Frequento shows desde os 15 anos, com direito a horas na fila para ficar na grade. Desde então, nunca mais parei — tive a sorte de ser jovem em um tempo que o dólar baixo permitia ver espetáculos internacionais sem que isso implicasse na venda de um rim.

Agora, adulta, sou um pouco mais modesta com arroubos de ver os ídolos de perto. Só na semana passada, fui a dois grandes shows internacionais: Red Hot Chilli Peppers e Alanis Morissette, em São Paulo. Anos de estrada e menos expectativa de urgência que nas décadas anteriores que deixaram escolada e é raro eu passar algum perrengue desavisada nesses eventos. Grade é coisa para jovens, eu pensava assistindo às apresentações.

É claro que já passei por perrengues: alô, Rolling Stones em Copacabana, em 2006, quando uma insolação após dez horas no sol me levou à enfermaria e eu gastei meus últimos R$ 5 no aluguel de uma cadeira de praia para dormir durante todo o espetáculo de Mick Jagger e companhia.

Fãs de Taylor Swift recebem ajuda para suportar calor de quase 40ºC no Rio
Fãs de Taylor Swift recebem ajuda para suportar calor de quase 40ºC no Rio Imagem: Luiza Souto/Splash

Não fossem os médicos preparados ali, o fim poderia ser triste — passei muito mal em meio a uma multidão de milhões de pessoas. É justamente a memória de tais sacrifícios que me toca profundamente quando penso na notícia de uma garota chamada Ana Clara Benevides, que morreu aos 23 anos no show de sua maior ídola no Rio de Janeiro, na sexta (17). Poderia ter sido eu ontem, poderiam ser meus filhos hoje.

Taylor ficou obviamente devastada: se eu sinto a morte de Ana Clara Benevides no fundo da minha alma, imagina a cantora se colocando no lugar de responsável indireta pelo ocorrido. Como o calor só aumentou no sábado (18), com promessa de tempestade, Taylor tomou a decisão de adiar o show para segunda (20).

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A frente fria abaixaria a temperatura em uns 10ºC, o que tornaria o ambiente um pouco mais salubre. E é claro que nem só de crise climática é feita essa tragédia — tapumes de metal ajudaram a transformar o local em um caldeirão fervendo em que pessoas eufóricas por ver a ídola precisariam pagar R$ 8 em um copo de água para permanecer vivos.

E mesmo que a água fosse gratuita: você já tentou se deslocar em uma pista cheia de gente apertada? Ninguém consegue se mover ali.

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Pensei nas garotas e garotos que vi em volta do estádio do Morumbi na segunda-feira (13), às 8h, para o show do Rebelde que começaria em pelo menos 12 horas. Os termômetros marcavam 35ºC, eles estavam paramentados de camisas brancas, gravatas, botas de cano alto e meias arrastão.

Sacolas de mercado com salgadinhos, que seriam a alimentação básica da aventura, e pouca água eram a receita de uma tragédia. O impulso materno é mandar todo mundo para casa — que importa uma grade quando o que está em jogo é a vida? Mas que é difícil explicar isso para o jovem, isso é.

No show de Taylor o calor era maior e não havia a possibilidade de deslocamento. Dezenas de pessoas desmaiaram — uma delas era Ana, que perdeu a vida. Seria necessário beber muito mais que um copo de água para sobreviver e a conta sai cara para adolescentes e jovens adultas que estão felizes demais para pensar racionalmente.

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Ok, Taylor pensou por elas. O impacto é imensurável na emoção e no prejuízo financeiro: a maioria já havia comprado o ingresso para a turnê anterior, que foi cancelada durante a pandemia. Esperaram a nova oportunidade ansiosamente — se eu fico ansiosa nos shows que frequento, imagina as fãs de Taylor.

Viajaram, convenceram suas mães a lhes acompanharem, pagaram hotéis, reservaram a passagem de volta. Uma mudança de rota daquelas. Há meses, entrevistei mais de uma dezena de fãs de Taylor para uma reportagem sobre as pulseiras da amizade que elas trocam tradicionalmente nos shows. Algumas delas haviam feito mais de 600 pulseiras em agosto e esperavam a data dos shows como a única coisa realmente importante da vida.

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Uma mãe viralizou na internet dizendo-se indignada com a decisão do adiamento, tomada de última hora. Afirma que não volta ao estádio na segunda, quando o show deve acontecer. Está em seu direito. A escolha pelo adiamento deveria ter sido feita de manhã, para evitar que tanta gente passasse o dia em filas no concreto com sensação térmica de 60ºC.

Mas à noite, sem sol e com possibilidade de vendaval, seria certo fazer o show e correr o risco de uma nova tragédia? Ana Clara é nossa filha ansiosa para ver sua ídola, sem pensar ou conseguir beber água. Após a tristeza da notícia inimaginável, é mais prudente simplesmente não correr esse risco.

Falta estrutura ao Brasil para receber eventos desse porte? A crise climática não dá trégua para o jeitinho brasileiro de resolver as coisas — é preciso estar melhor preparados. A empresa organizadora, que terceiriza funcionários sem treiná-los, os órgãos públicos, que devem aumentar o número de policiais nas ruas e prepará-los para garantir a segurança.

E resta aos pais explicar às crianças e adolescentes que não dá para ir e pronto. Tem sonho que não vale a pena realizar — ou vale mais a pena estar vivo para realizar daqui a alguns anos. Prejuízo é bobagem perto da tragédia generalizada que poderia ter se instaurado no Rio de Janeiro ontem.

Não menos importante nesse caos todo em que cada dor acaba sendo subjetiva: que a frustração e indignação vire ação e proteção às florestas e plantio de árvores. Ou nem teremos "daqui a uns anos" para reverter essa história. O futuro é aqui e ele não é nada bonito.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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