Então é Natal: depois de 'Fim', no Globoplay, o que responder para Simone?
?E o que você fez??, pergunta Simone há décadas enquanto sobem os letreiros do ano que termina. A galera coloca a mão na consciência e percebe que não é exatamente um ano que deixa o pessoal orgulhoso. Talvez seja essa mania de ver a coisa pelo prisma negativo do copo meio vazio porque bebemos tudo que tinha dentro.
Sabe o que é, dona Simone, eu fiz coisa demais. 2023 pareceu aquela série "Fim", do Globoplay: teve divórcio do pessoal próximo, teve enterro de amigos queridos, teve a criançada crescendo, teve a gente criando como podia. E trabalhando, scrollando a timeline, brigando com a mãe por WhatsApp, torcendo o pé na calçada porque corre muito. Credo, Simone, que lástima. Não era esse o plano quando deu meia noite de 31 de dezembro de 2022.
Aliás, "Fim", inspirada no livro de Fernanda Torres, é um conteúdo meio duvidoso para se assistir em dezembro. Não porque seja ruim, pelo contrário: é ótima. Mas isso lá é época de questionar a finitude? Já não basta a música ecoando na mente de todo cidadão que se arrisca entrar em uma loja nessas semanas que antecedem o outro fim, o desse ano? E o do mundo, nesse calorão desgraçado que derrete nossos cérebros.
Na ficção, Ciro (Fábio Assunção) afirma que tem certeza de que o câncer que lhe tirou a vida é castigo pelas coisas que ele não disse no passado. Quem não tem esbarrado no egoísmo de gente próxima, não é mesmo? Estabanado, o rapaz deixou de verbalizar, correu e chutou para escanteio em vez de defender a bola.
Ruth (Marjorie Estiano) era obcecada por seu sonho de ter filho e, apesar de saber que a vida perfeita estava debaixo de seu nariz, deixou tudo passar de maneira meio confusa. Sempre falta algo. Resultado: enlouqueceu. Igual a mim e aos meus leitores que às vezes acham que estão pirando, sabe, Simone? Sabe sim. Tenho inveja de quem está na fúria de 2023 e não pensou, por um momentinho sequer, estar perdendo a razão.
Até a Sandy protagonizou o momento divórcio nesse ano. A Irene (Débora Falabella), na série, também: trocou o casamento estável e morno pela ilusão de um romance tórrido e perdeu os dois. Não é um problema, às vezes. Ficar sozinha pode cair bem. O efeito Sandy caiu como uma bomba na minha geração e todo mundo parece ter ficado meio Irene. "E o que você fez?", pergunta sua música. Elas tocaram o barco.
Mas tem o casal em sintonia, como Neto (David Junior) e Célia (Heloísa Jorge), tem os filhos bem criados, tem os trabalhos que a gente conseguiu entregar — ou conseguirá até a próxima sexta. Tem o presente de amigo secreto que uma hora será comprado (antes da cerimônia de entrega, espero), a promoção de vinho branco e espumante em um mercado que esqueci o nome (qual era mesmo?). E as confraternizações em que a gente vê o copo meio cheio porque sempre tem alguém enchendo de novo.
Aposto que você tem uma amiga como Norma (Laila Garin), segurando a onda de todo mundo. Tem também a profundidade leal de um Álvaro (Thelmo Assis) para compensar um ensimesmado como Silvio (Bruno Mazzeo). E a melancolia de um Ribeiro (Emilio Dantas) para olhar para trás em dezembro e perguntar como você, Simone: o que foi que a gente fez?
Vai ser um bom Natal, eu já ensaio as desculpas para a mãe por ter brigado no WhatAapp. E um ano novo também.
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