Luciana Bugni

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Opinião

Mês da mulher: agora virou moda ridicularizar homem no cinema e nas séries?

O rapaz trai a moça toda semana há dois anos, mas está desesperado porque sua mulher pediu para abrir o relacionamento. O negócio é que ele curte transar com outras, mas pensar que sua mulher tenha direitos iguais já é demais. O desespero de ser “traído” é tanto, que ele prefere terminar a relação e sofre. Meio estranho, né?

A cena poderia estar na roda dos seus amigos discutindo futebol no bar, mas está na primeira temporada de Machos Alfa, a série espanhola da Netflix. A segunda temporada estreou recentemente. Há alguns spoilers abaixo.

Ali, homens brancos hétero mostram o machismo nosso (deles) de cada dia e lutam (pouco) para se desconstruir. No pacote, está um curso de ressignificação da masculinidade, algumas escorregadas e uma apoteótica ideia de virada de mesa – “e se eu montar um curso que valoriza o machismo?”, se pergunta um deles. E o faz. E viraliza, claro. Mas perde a mulher no percurso.

A pegada de humor para mostrar velhos comportamentos do patriarcado funciona. O público assiste entre risinhos nervosos e debochados. Seria o puro suco dos anos 80, não fosse o retorno feminino em cena: elas arrumam amantes, ganham mais dinheiro que eles, têm mais sucesso, realização e certeza do que querem. “Você pode transar com muitas meninas, mas não aguenta uma mulher como eu”, diz a moça do começo do texto quando descobre que, depois de todo aquele drama, o namorado já tinha aberto a relação há anos e apenas omitido.

Desde 2023, já se via o movimento de “Kenzização” dos personagens masculinos. O sucesso mundial Barbie trazia a tagline: “Ela é tudo. Ele é só o Ken”. O boneco de plástico era realmente deixado para segundo plano nas brincadeiras – nem dava para pentear aquele cabelo! No filme, o Ken de Ryan Gosling descobre o machismo como grande trunfo. É assim que ele vai sair do ostracismo em que se encontra, escorado no patriarcado. A revolução, no entanto, é patética. Eles se reúnem para falar de cavalos, limpar carros, tomar cerveja, em um mundo de Marlboro cor de rosa. Achou familiar? É, pode ser que a ficção tenha se inspirado um pouquinho na realidade.

Mesmo com toda a futilidade dos sapatinhos de salto que cercam a boneca, são as mulheres que conduzem uma revolução pensante. Os Kens estão ali, sendo Kens. Vilões? Nem isso. As atitudes machistas ali maximizadas em deboche colorido só fazem rir e olhe lá. Homem é bobo no cinema agora?

Pobres criaturas...

No quesito homem patético, o Oscar deste domingo (10) caprichou. E olha que nem estou falando daqueles que criam bombas atômicas e só depois percebem que aquilo pode aniquilar civilizações (cada um que me aparece...)

Mas há o campeão: o personagem Duncan, de Mark Ruffalo, em Pobres Criaturas é o esquerdo-macho com pacote completo. Invade a casa da donzela, afirma que vai libertá-la, despeja umas palavras bonitas e pinta um mundo todo lindo, sequestra a moça com seu consentimento e a leva para viver uma grande aventura. A animação se passa em grande parte na cama fazendo sexo. Bella (Emma Stone) gosta do que o homem proporciona, mas quer sair e viver sua vida nos intervalos entre cópulas.

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Nesses passeios, encontra outros homens com quem tem relações íntimas e conta para seu parceiro, agora tomado pela posse e ciúme — o discurso libertário caiu por terra, como sempre. “Ele lambeu meu clitóris, mas você também pode fazer isso”, ela tenta explicar a um descontrolado Duncan, que bate a cabeça no balcão de desespero. “Não sei lidar com esse sentimento complicado que você está sentindo”, diz Bella. Uma mulher criada sem o molde do machismo nem entende o ciúme. É de dar nó do cérebro mesmo.

No fim, Duncan perde o juízo junto com o controle que gostaria de ter da mulher. Acredita que está enfeitiçado e a culpa. Patético, sim. Improvável? Nem tanto. Pobres criaturas divide opiniões ao mostrar um feminismo contundente. Mas tem jeito melhor de fazer pensar?

Kens e Duncans na terapia

Em um exercício de imaginação, coloco os Kens, Duncan e a turma de Machos Alfa na mesma mesa de bar para conversar sobre sentimentos. Eles se posicionam um ao lado do outro, sem se olhar, ou ligar a TV para comentar o jogo de futebol. Ninguém sequer vê quem está ao seu lado, imagina só se vão olhar para dentro? Terapia que é bom, então, ninguém quer fazer.

Talvez forçar a mão em personagens exagerados cujo comportamento machista os prejudica seja o único caminho de provocar a reflexão. Se não funcionar, pelo menos a gente se diverte um pouco.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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