'Guerra Civil', com Wagner Moura: jornalismo e paixão como salvação no caos
"Mas o que é isso que ele tem?", pergunta de canto uma garota de Singapura que acaba de assistir à première mundial de "Guerra Civil", filme que estreia dia 18 de abril no Brasil e tem Wagner Moura no elenco. Ela está falando do ator brasileiro, intrigada com Joel, personagem do filme: um jornalista de guerra meio sacana, que vive abraçado com uma garrafa de vodca, desesperado pela notícia, enfrentando bombardeios nada suaves enquanto faz piada e comentários lascivos com as moças de sua equipe.
"Tem uma palavra em português para isso?", ela insiste, querendo definir o tipo de homem que, mesmo não tendo uma conduta 100% respeitosa, é de certa forma interessante para as mulheres. Os conterrâneos de Wagner se entreolham procurando no vocabulário: seria "brasileiro" a expressão correta? Ou "jornalista"? Ou tudo isso junto?
"Guerra Civil", segundo o diretor Alex Garland (de "A Praia" e "Ex-Machina"), não é um filme de guerra. É sobre jornalismo. O pano de fundo são tiroteios, bombas e corpos (muitos corpos) entre cenários em ruínas na costa leste dos EUA, enquanto uma fictícia — mas não improvável — guerra civil entre os estados busca derrubar um presidente que aparenta ser ditador. Um grupo de jornalistas atravessa a catástrofe com o objetivo de fazer a última entrevista do presidente antes que ele seja deposto.
Garland é filho de um cartunista político de um jornal inglês e cresceu em torno de correspondentes estrangeiros. "Eu os ouvia conversar ao redor da mesa da cozinha e percebia o quão seriamente levavam o que faziam", conta na cerimônia após a exibição do filme, durante o SXSW, em Austin, no Texas. A mesa de discussão contou com Kristen Dunst, que vive a fotógrafa veterana Lee, Cailee Spaeny, que interpreta a novata das lentes Jessie, além do próprio Wagner.
Pontos de concordância, com esperança
O diretor sabe que a história de seu filme tem um quê de verdade no mundo que vive os efeitos da polarização e do populismo — uma guerra civil pode acontecer entre metades que se tornaram inimigas políticas dentro de um mesmo país. Por isso, quis que o filme falasse de pontos de concordância e interesse de todos, com esperança. Daí, colocar a imprensa no holofote. "Jornalistas estão sendo arbitrariamente criticados. As pessoas desconfiam deles. Quis fazer desse grupo o herói da história porque há um ponto simples no coração disso: em qualquer tipo de país livre que viva uma democracia, jornalistas não são um luxo. Eles são uma necessidade tanto quanto o Judiciário, o Executivo ou o Legislativo. Ter uma imprensa livre, que é respeitada e confiável é básico. Tem partes interessadas em diminuir a credibilidade da reportagem e eu acho que isso é prejudicial e está errado", afirma.
No trajeto que parte de Nova York rumo a Washington DC, onde o presidente se refugia, se junta a eles Sammy, um repórter veterano vivido por Stephen McKinley Henderson, que não perderia essa aventura por nada. Mais da metade do filme se passa na estrada, em diálogos de personagens devastados pela guerra. "Era um grupo muito amoroso dentro daquele carro. Acho que nós realmente nos importávamos uns com os outros ali", diz Kristen. Cailee afirma que em várias situações nem precisou atuar. Ela estava sentindo tudo aquilo mesmo.
O que sobra quando seu mundo acaba
Enquanto as garotas clicam cenas deploráveis e ensanguentadas no filme, Joel observa e tenta protegê-las de alguma forma. "Só esperava que ninguém atirasse em mim", diz Wagner. A paixão pelo fotojornalismo é o personagem central, mas a busca por si mesmo nos cliques é latente — o que sobra de você quando o mundo que você conhece acaba?
Há um instinto coletivo de dividir a comida, a vodca, os cigarros, mas há uma solidão intransponível nos silêncios. A música animada compõe as cenas de combate, como uma coreografia — Joel ri, porque é isso que a gente pode fazer quando o caos toma conta. Nessa ótica de realidade distorcida, a tristeza e desespero são entremeadas pelo humor sarcástico do repórter: ele pode afirmar que está excitado com aterrorizantes explosões de bombas, mas também agir de maneira protetora (ou seria sedutora?) com uma garota 20 anos mais nova. "Li muito sobre jornalismo de combate, que é algo completamente diferente dos outros tipos de jornalismo. O que a pessoa sente quando está ali naquela situação?", ele pergunta.
Garland afirma que está acostumado a fazer filmes independentes levemente psicodélicos. "Pensei que devia dar um passo além e crescer, com tanques e helicópteros. As tomadas aéreas mostram estados devastados e aquele pique de filme de guerra americano, com uma diferença: o protagonismo não está nos soldados. Há, claro, um prazer perverso em conseguir excelentes fotos no meio da matança, mas o horror da cena repele o público. Metralhar alguém, bombardear um prédio, ver prédios explodindo e corpos voando nunca é algo legal, mas piora um pouco o cenário sequer saber quem é o seu inimigo. "Que tipo de americano você é?", pergunta um soldado com o dedo no gatilho. Ninguém sabe a resposta certa. "É uma péssima ideia ter uma guerra civil e queríamos mostrar isso", afirma o diretor.
Wagner, com o humor do personagem, quebra a seriedade da discussão. "Eu era o motorista. Alex elogiava Kristen e Cailee pela atuação e a mim dizia: 'Dirigiu bem, Wagner'. O diretor desmente garantindo que o brasileiro nem dirige tão bem assim, não passa de um bom ator. Todos riem.
Guerra Civil traz a paixão pela profissão como motor e objetivo quando não resta mais nada em pé. Ali fica claro: a guerra é o vilão, o jornalismo é o mocinho e só a informação salva. Cai muita gente no caminho, mas se temos algo a se apegar dá para rir um pouco uma hora ou outra, beber para esquecer e até pensar em sexo, como ensina Joel.
A palavra que a garota do começo desse texto procurava é borogodó.
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