'Leva agasalho': Camila Mendes, Rudy Mancuso e o filme que fala português
O ator Rudy Mancuso está na casa onde morou a vida toda em New Jersey, com sua mãe, Maria Mancuso, falando português. A cena poderia ser um documentário sobre a vida dos brasileiros-americanos ou um quadro de algum reality show, mas é o filme "Música", que estreou nesta quinta (4), na Prime. A direção do próprio Rudy faz um disclaimer logo no início: a história é real (infelizmente para ele).
Rudy vive ele mesmo, um rapaz atormentado pela hipersensibilidade musical. Ele tem uma namorada que não entende muito bem essa perturbação do artista e ele, nesse conflito criativo eterno, também tem que lidar com o desejo da mãe de que ele namore uma brasileira (com direito a visitas das moças bem no estereótipo "brasileira chega beijando").
O cérebro do Rudy do filme funciona como um grande musical em que qualquer ruído de carro, voz de desconhecido ou barulho de faca soam como melodia. Na vida real, ele garante em entrevista exclusiva para Splash, seus pensamentos funcionam da mesma maneira. "Desde que eu me lembro, acho que assim que ganhei uma consciência, percebi que sou diferente de todo mundo que está ao meu redor. Mas como se pode ver no filme, isso não é necessariamente algo ruim", ele diz.
Nesse turbilhão de criatividade incompreendida e relacionamentos instáveis, Rudy conhece Isabella (Camila Mendes) em um mercado de peixes típico de Jersey, onde ele mesmo foi muitas vezes em sua infância. "Minha primeira língua é o português, eu cresci indo nesse mercado em um bairro em que todo mundo falava português. Eu não escutava inglês", ele diz, mas garante que mesmo assim não se sente seguro para conceder a entrevista no idioma dos brasileiros. Inglês, que ele aprendeu só quando foi para a escola, aos cinco ou seis anos, hoje soa mais fácil.
"Comeu tão pouco... leva um agasalho!"
No filme, entretanto, há diálogos nos dois idiomas. Aquele jeitinho da mãe brasileira que está sempre servindo um pouco mais de comida ou pedindo para levar um agasalho é a marca de Maria em cena. "Eu olhei para o personagem da Maria e pensei: isso é inteiramente brasileiro, é literalmente igual a minha mãe e representa a minha relação com ela. É fantástico que Hollywood tenha um filme que misture as duas culturas finalmente", afirma Camila Mendes, que também é brasileira-americana.
Ela também pede que a entrevista seja em inglês, pois garante demorar muito tempo procurando palavras no idioma de sua mãe. "Nunca vivi uma brasileira-americana antes, mas o filme é muito mais do que isso. É a história de como se trabalha com o conflito do artista em vez de agir contra ele. Sou artista e conviver com artistas é o que me faz feliz", diz Camila. Em cena, Isabella apresenta a Rudy uma nova possibilidade de lidar com a sua condição de tanta incerteza acerca do mundo. "É bonito", reflete Rudy.
"Mães são mães em qualquer idioma, mas há algo específico a respeito de mães brasileiras ou latinas. Elas são tão amorosas que às vezes ultrapassam barreiras com esse amor. Minha mãe diz tudo que está em sua cabeça sem filtro algum e tenta ficar perto de mim o máximo de tempo possível em todos os campos da minha vida. E isso é só uma das provas do tanto que ela me ama. Ali, ela nem está atuando. Está sendo ela mesma".
A própria ideia de oferecer comida o tempo todo pode até parecer clichê, afirma Rudy, mas é verdadeira. "Você sabe, a gente nunca comeu o suficiente no Brasil", ele diz. O ator tem família no Rio e intimidade com o país. No antebraço, ostenta o skyline carioca, com Corcovado, Pão de Açúcar e tudo mais que tenha direito. "Me sinto muito bem no Rio, mas quero conhecer a Amazônia".
Brasileiras são atiradas ou é só diferença cultural?
Na entrada na sala de entrevistas, em Austin, durante o SXSW, quando aconteceu o lançamento mundial do filme, Rudy me cumprimentou formalmente — mas essa repórter que havia acabado de ver "Música" esqueceu os costumes do hemisfério norte e o cumprimentou com um beijo no rosto. "Você é brasileira?", Rudy perguntou em português. Confirmei.
Minutos depois, tentava confrontar o ator sobre uma das cenas do filme em que uma pretendente a namorada brasileira tenta forçar um beijo, atirando-se para cima do protagonista: "Não acha que isso perpetua um estereótipo de que brasileiras são oferecidas?"
Rudy se reclina no sofá para responder que não pode falar sobre nativas brasileiras, mas as brasileiras-americanas, que conhece melhor, são um pouco mais abertas que nativas americanas. A cena do beijo, no filme, garante ele, era mais uma tentativa de mostrar que as mulheres que o cercavam sabiam o que queriam, enquanto ele via o futuro apenas como incerteza.
"Mas americanos e brasileiros têm valores diferentes e eu poderia, sim, dizer que brasileiras são um pouco menos fechadas", ele diz, sem o menor tom de estereótipo que o machismo convencionou como rótulo para mulheres do Brasil. Relembro a maneira como nos cumprimentamos na entrada da entrevista — uma "brasileira menos fechada" cumprimenta com beijos no rosto - e relaxo. "A real intenção da cena é mostrar que é ok", ele completa.
O filme, segundo ele, é feito para todo mundo, mas brasileiros podem se identificar por entenderem certas expressões e convenções. "Já vi muitos filmes brasileiros e muitos filmes americanos, mas nunca vi a experiência de ser brasileiro-americano na tela. Meia frase em português e meia em inglês, acho que ninguém havia feito antes. Mas eu queria incorporar isso no filme porque minha vida é assim".
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