Nem foto de biquíni, nem tutorial de make: famosos fazem o Brasil engajar
Há uma entrevista antológica de Luana Piovani feita por Nina Lemos, em Universa, que vira e mexe viraliza. Ali, a atriz usa sua ironia (deliciosa, mas que incomoda muita gente) para dizer que esse país tropical tem tantas questões importantes pelas quais devemos militar que fica difícil postar uma foto de biquíni, descompromissada, querendo apenas se mostrar bonita nas redes sociais.
Morar em Portugal, entretanto, não bastou para ficar tranquila longe dos caos tupiniquim. Luana tem usado seu alcance nas redes, onde ostenta milhões de seguidores, para falar de questões importantes do Brasil, mesmo vivendo do outro lado do Atlântico. A última delas, a PEC das praias, que pode prejudicar o acesso popular à faixa de areia, rendeu briga pública com Neymar, levantou o debate (também importante) da misoginia e bombou.
Luana já vinha falando de criação de filhos no divórcio, um tema que é importante para ela. Os assuntos que lhe doem, como a diferença de visão sobre a educação no caso de pais separados, interessam a muitas mulheres e podem fazer refletir e acolher. Mas seu potencial de mobilizar pessoas agora tem sido usado para mais.
Caso semelhante ocorre com Samara Felippo, que coloca situações doloridas que viveu no foco da conversa. A razão é maximizar a repercussão e, assim, conseguir reverter injustiças graves como violência patrimonial e racismo. Mas a cada post do tipo, ela une mulheres na sua dor, que é comum a tantas outras.
Felipe Neto é o exemplo clássico de pegar o limão e fazer uma limonada online. Quando criticou o presidente Bolsonaro em 2020, em um vídeo viral em inglês, virou alvo do gabinete do ódio. Inúmeras fake news foram espalhadas tentando associar seu nome à pedofilia. A ideia era desmoralizá-lo junto ao seu maior público: as crianças e jovens que foram cativados pelo jeito como ele joga videogame na internet. Se o influencer fosse tido como pedófilo, pais e mães proibiriam os filhos de assisti-lo. Assim, seu alcance diminuiria, e as ideias que ela vinha difundindo (que eram fato, Bolsonaro conduziu muito mal a pandemia no Brasil) não chegariam em potenciais futuros eleitores do então presidente.
Felipe alterou o curso das coisas usando seu palanque para combater as mentiras. Não se intimidou, apesar do medo e das tentativas de acuá-lo. Foi além: trabalhou incansavelmente na eleição de 2022 para derrubar fake news bolsonaristas. Arrisco dizer que contribuiu mais em plataformas digitais para a eleição do presidente Lula do que a própria equipe digital do presidente. E segue contribuindo: em breve, vai lançar um livro sobre o combate ao ódio. Frequentemente, faz posts didáticos e explicativos sobre temas políticos que nem sempre interessam aos jovens. Tem videogame? Tem também. Mas como bem sabe Piovani, não dá para ter só uma coisa no Brasil.
As armadilhas do algoritmo
Mais recentemente, essa semana, toda a classe artística se envolveu no absurdo da PL do aborto que tenta equiparar o ato, mesmo em caso de estupro, ao de homicídio. É falando sobre o assunto que se muda o curso da história, claro. Mas o perigo é falar só sobre um assunto que pode, intencionalmente, estar sendo plantado para cobrir outras coisas importantes. O algoritmo promove essas armadilhas e a gente cai bonito.
Fernando Gabeira levantou um ponto importante para se pensar em um texto no jornal O Globo. É interessante que o debate ganhe o megafone de likes, compartilhamentos e a pressão do "todo mundo está falando sobre isso". "É preciso buscar conexões, abrir clareiras, construir algumas pontes para que a democracia, ainda que sofrivelmente, funcione", ele diz. Mas essas cortinas de fumaça podem de certa forma impedir o aprofundamento das conversas.
"A luta política se dá em torno de imagens, os memes tornam-se o discurso político mais eficaz", diz Gabeira e completa: "Mas de não houver tentativa de conexão entre política e sociedade e esforço para que os temas importantes sejam discutidos em toda a sua dimensão, o futuro nos reservará apenas confusões amplamente documentadas pelos celulares. Por mais que se critiquem Congresso e governo, a verdade é que precisamos deles, e não é possível seguir com uma indiferença silenciosa."
Em resumo, ponto para quem fala de coisa séria na internet do jeito que a população digere: com vídeos feitos em formato selfie. Contudo, há sempre o alerta para o fato de termos perdido a capacidade de leitura profunda, ou a paciência de ver o que os políticos de fato estão fazendo.
É compreensível a repulsa pelo tema: elegemos pessoas despreparadas a cada dois anos e vê-los falar é confrontar a nossa própria estupidez. A gente votou nesses caras e paga o salário deles em impostos todos os meses — aqui não cabe o "eu não votei nele" porque a nação é um coletivo, assim como o senado, o congresso e tudo mais.
Luanas, Samaras e Felipes têm o palanque e usam para o bem a partir de dores individuais. Resta saber quando a gente vai entender de fato o nosso poder de transformação nas urnas e parar de falar do Brasil na terceira pessoa enquanto senta o dedo no botão de curtir.
Sempre dá tempo, até não dar mais.
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