Luciana Bugni

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Opinião

Giovanna Antonelli vive mulher em crise dos 40 na Netflix; e não é só ela!

Beatriz, personagem de Giovanna Antonelli no filme "Apaixonada", um dos mais vistos da semana na Netflix, sai do banheiro após dar uma ligeira arrumada na franja que ela cortou há alguns dias, sozinha, em um surto. O ex-marido está na sala e pergunta, em tom depreciativo: "É a crise da meia-idade?"

Ninguém quer ouvir esse questionamento, mas o Google me diz aqui que as pessoas têm buscado respostas para expressões como "crise dos 40 anos sintomas homens", "crise da meia-idade feminina", "crise dos 40 no casamento".

É por aí que começa a história do filme, que estreou recentemente no streaming. Em um combo clássico da mulher 40+, a filha de pouco mais de 20 anos vai morar fora do Brasil, o marido não aguenta mais a letargia do relacionamento e, também, vai embora. Sozinha, Bia vive o pesadelo de se encarar: quem é você quando não está sustentando a estrutura familiar?

A gente vê quando olha para os lados no círculo de amigos: tem quem esteja fazendo de aula de dança à cirurgia plástica na tentativa de conservar a juventude. Entre tatuagens gigantes e maratonas em outros continentes, as atitudes inesperadas da galera da meia-idade deixam a franjinha desesperada de Giovanna Antonelli parecendo bobagem.

Na década passada, um estudo da Universidade de Warwick, na Inglaterra, afirmava que a crise dos 40 existe mesmo. Não é frescura, meu amigo, é ciência. A satisfação com a própria vida dá uma despencada no período entre 40 e 42 anos (oi, tudo bem?). Depois, volta a subir gradativamente até os 70 anos, em novo pico de felicidade.

Foram monitorados 50 mil adultos que viviam em países diferentes e assim constatado que grana, filhos e cultura não interferiam no resultado. Resumindo: imagine um gráfico da felicidade formando um U no plano cartesiano da vida. O fundo do poço é quando se tem pouco mais de 40 anos. Se tem um período em que se é triste, é ali. O estudo é de 2013 —antes de a gente exacerbar a vingança a qualquer sentimento desagradável com dopamina.

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Tá, e o que a gente faz com essa insatisfação?

Álcool sempre foi um jeito de aplacar as insatisfações da vida, mas há quem diga que estamos pegando pesado no consumo. Eu chamo de "os tristes do Pão de Açúcar." Observe a fila nos caixas do mercado às 19h de dias de semana: é um coletivo de gente de meia-idade com seu packzinho de cerveja ou sua garrafinha de vinho. Trabalhar bastante para conseguir comprar álcool para esquecer que trabalhou tanto. E assim seguem os dias.

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Enfiamos esporte nessa conta, no qual antes existiam tardes no salão de beleza tentando cobrir os brancos. É o ponto positivo: no lugar de pó descolorante e esmaltes Impala, veio aí o longão do sábado. Mas a linha tênue da saudável descarga de endorfina é despencar em vícios meio exagerados e precisar de mais e mais e mais. O que tem de adulto se arrebentando nos treinos e mesmo assim treinando...

O rebote hoje, com a rede social bombando sob nossos polegares entediados, é um desastre. A vida de absolutamente todo mundo é melhor que a nossa, os jantares dos outros são mais hype, e o envelhecimento menos nítido, sob procedimentos e filtros.

Os corpos deles são mais firmes, porque eles malham todo dia e tiram foto no espelho enquanto a gente abre mão de passar o uniforme das crianças para tentar pelo menos escovar os dentes antes de sair de casa.

As viagens deles são mais caras, a rotina mais plena, a carreira bem-sucedida. Na vida das pessoas que eu sigo, a matemática do tempo se multiplica, enquanto eu só subtraio vendo bobagem na internet. Com um celular na mão em um dia de crise dos 40, abre-se um belo porão no fundo do poço.

Beatriz, no filme, entra numas de se levantar. Vai para a balada, enche a cara, acorda sem se lembrar como foi parar na casa de um moço. Tudo tem um quê vazio enquanto a gente não sente que se basta. Aos 40, também lidamos nitidamente com a finitude de nossos pais e os questionamentos adquirem um novo tom de "por que mesmo?".

A crise é existencial: quando se menos tempo para viver, dar-se conta de um eventual erro de rota pode despertar uma onda pessimista. Daí a vontade de voltar no tempo.

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A lista começa na franjinha de Antonelli, segue para exercícios que devolvam os glúteos para o lugar empinado de onde eles vieram, culmina na escolha de rolês onde todos têm metade de nossa idade até tomar o primeiro "tia" na testa. Procedimentos cirúrgicos, implantes capilares, busca por adrenalina em escaladas e, claro, namorados mais jovens.

Tudo é negação do processo de senilidade associado ao envelhecimento. No caso de Beatriz, no filme, pegar um jovem gatinho dá uma animada nas noites. Mas mesmo lembrar que está viva e é desejada pode ser limitante.

"Olho as meninas e as atrizes mais jovens e penso 'já estive lá'. Mas já passou também, que legal que fiz, eu estive ali, fui a gatinha. Fui às festas, tirei várias ondas", disse a atriz Maria Flor, 40, em entrevista a Maria Ribeiro.

A memória do que fizemos aparece nos churrascos da galera, cercados pelos filhos que fizemos (ou não). Ali, a gente lembra que já esteve lá, mas que também é bom estar aqui. E vai indo: dá tempo de viver coisas muito legais até a festa de 70 anos (que vai ser incrível, estejam avisados).

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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