Luciana Bugni

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Opinião

Por que pegam tanto no pé de Reynaldo Gianecchni?

No meu tempo de cobertura de eventos de moda, estava sendo massacrada em uma sala de desfile na São Paulo Fashion Week ajoelhada à beira da passarela, tentando buscar uma frase que rendesse um parágrafo de alguém cuja imagem me foge completamente. Mas poderia ser uma atriz, um cantor, um ex-BBB, qualquer famoso do momento que nem sempre é lembrado no ano seguinte.

As luzes da sala se apagaram e os organizadores do evento pediam de uma maneira eloquente para que os jornalistas e fotógrafos desocupassem a área, o que gerou uma certa confusão. Levantei-me do jeito que deu e fui andando de costas no escuro na aglomeração, pois não havia espaço para me virar. Até que bati em uma parede. Uma parede cheirosa. Fui olhando para cima em câmera lenta, tentando reconhecer o obstáculo e escutei o "Oi", com voz grave. Era Reynaldo Gianecchini. "Cuidado para não cair", ele me disse com toda a gentileza que é sua marca e me auxiliou a ultrapassá-lo.

Entrevistei Giane incontáveis vezes em eventos desse tipo e festas de novela nos últimos 20 anos. Em todas, extremamente educado e envolvido com sua arte — fosse na TV, no cinema, ou nos palcos. Toda a comoção em torno da escolha do ator para encenar a peça "Priscilla, a Rainha do Deserto - O Musical" causa um desconforto. Por que pegam tanto assim no pé de Gianecchini?

Sua carreira na TV, que começou em 2000 na novela "Laços de Família", sempre foi carregada de cobranças. Namorado de uma das jornalistas mais respeitadas do Brasil, Marília Gabriela, Giane encarnou a ponta do triângulo amoroso entre mãe e filha na novela, vividas por Vera Fischer e Carolina Dieckmann. Para além da polêmica de namorar uma mulher mais velha na vida real, fazer o mesmo na trama era assunto que rendia muito há 25 anos. Sua atuação de principiante em papel de destaque também foi extremamente questionada.

De lá para cá, dá para dizer que ele só cresceu. Abraçou o ofício de ator e foi conquistando o público em papeis cômicos e carismáticos, como os gêmeos de "Da Cor do Pecado", ou o mecânico Pascoal, em "Belíssima", que vivia cenas tórridas e divertidas com a personagem de Claudia Raia. Tinha uma pitada de drama, como o Cadu de "Em Família", que perdia a mulher para outra mulher. E a habilidade de ser o vilão, como Anthony de "Verdades Secretas", par de nada menos que Marieta Severo. Ali, em 2015, nem era possível perder tempo questionando seu talento e versatilidade frente às câmeras.

Mas Giane se desafia e leva a sério o tal do ser "operário da arte". Em "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", divide o palco com Tainá Muller e exerce a desafiadora missão de ser o que Jim Carrey representou bem demais nas telonas. Num palco cheio de subidas e descidas, ele deu conta do recado e bem — tinha até uma acolhedora cena cantando.

A última vez em que o entrevistei, em 2023, foi para a revista Velvet, às vésperas da estreia da peça "A Herança", um projeto ambicioso do ator Bruno Fagundes. O espetáculo, que durava seis horas divididas em dois dias, narrava, no teatro Vivo, a realidade do nicho gay de Nova Iorque nos anos 80, no grande pico da Aids. O texto é de Matthew López e é desafiador: como se decora 360 minutos de diálogo entre 12 pessoas para sempre saber sua deixa? Bruno me contou que quando mostrou o texto para Giane, ele ficou algumas horas em silêncio. Até que mandou uma mensagem: "Bruno, precisamos conversar". É desafio que chama? Ensaiaram 12 horas por dia, levantaram a peça e as personalidades de 12 atores. "Eu fiquei uma vida inteira me policiando para não parecer o veadinho, contornando aquela cobrança e, de repente, aqui é uma exercício para eu soltar a viadagem. Estou adorando", ele me disse com a mesma voz grave e serena do episódio da SPFW. "A Herança" teve apresentações esgotadas por todo o período em que ficou em cartaz.

De tantas polêmicas acerca de sua sexualidade, há uma que perdura há um quarto de século. No espetáculo teatral "A última entrevista de Marília Gabriela", a própria responde perguntas feitas por seu filho Theo no palco. Após temporada concorrida em São Paulo, a peça estreou no Rio recentemente. Theo afirmou ao jornal O Globo que odeia fazer uma parte da encenação: a em que pergunta, a pedido da plateia, se o casamento da mãe com Giane era de fachada. O boato, no começo do século, era que o relacionamento era um disfarce e, na verdade, o ator namorava com Theo.

No palco, Gabi responde que, à época, estava muito ocupada sendo feliz com o futuro galã da Globo para se abalar com maledicências. Ponto. Ninguém diz nada na plateia.

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Giane se irritou dia desses com tantos questionamentos acerca do personagem ser uma drag queen no teatro atualmente. "Quando era um abusador violento em 'Bom Dia Verônica', ninguém se incomodou." Lógico que existe uma (ilógica) reprodução do comportamento homofóbico da quinta série acerca da vida afetiva do ator, que já admitiu ser pansexual e afirma que não tem muita vontade de se estender no assunto. Dá para entender: se você gosta de falar com todo mundo o tempo todo sobre com quem transa, talvez tenha algo mal resolvido com sua vida sexual e não com a de quem está de boa fazendo sexo com quem bem entender.

A questão aqui é por que razão repetir comportamentos infantis do século passado se nem na quinta série, em 2024, cabe homofobia mais? E por que, dentre um universo não-hétero na classe artística, justamente Giane cause tanta indignação?

Eu fico com a gentileza do homem de Birigui, carreira sólida da TV, no teatro e no cinema, que sempre dá um jeito de chamar a pessoa com quem está falando pelo nome e dizer, sem nenhuma restrição, que chora e que gosta de intensidade. Maquiado de salto 15, sujo de graxa embaixo de um carro com Claudia Raia ou, se você tiver sorte, te escorando de um tombo na passarela do SPFW: que tal deixar Giane em paz?

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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