Luciana Bugni

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Opinião

Na contramão dos vídeos curtos, Felipe Neto quer devolver jovens à leitura

Quando foi a última vez em que você leu um livro inteiro? Há décadas, os grupos se dividem entre leitores e gente que não liga para muito para romances ou livros-reportagem. Mas desde que a internet foi parar em nossos bolsos e as redes sociais passaram e ditar as regras de como pensamos e sentimos, até o grupo que adorava ler reduziu a marcha. É comum, nas conversas, escutar reclamações de falta de concentração de gente que costumava devorar livros antes.

Por isso, em um primeiro momento, parece ousado que Felipe Neto tenha criado um clube do livro para seu público que, nas redes sociais, tem a partir de 13 anos. A ideia no entanto, bem amarrada, tem versões gratuita, em rede social, e paga, em plataformas que oferecerão conteúdos de Felipe e de especialistas em áreas variadas em videoaulas e lives. A ideia é fomentar o interesse por leitura e, mais que isso, aprofundar discussões relevantes.

Não à toa, o primeiro livro escolhido para o debate foi o clássico "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury. A história fala sobre um bombeiro que tinha uma função curiosa: queimar livros que eram considerados, na distopia da narrativa, um perigo. A tática de não incentivar a leitura era comum em regimes como o nazismo. Se ler, a pessoa acaba pensando. Se pensar, pode acabar sendo um perigo para quem quer que todo mundo ande na (mesma) linha. Literatura é debate e Felipe Neto, cercado de gente muito capacitada, sabe muito bem disso faz tempo. Segundo dados da Globo Livros, a obra teve a procura aumentada em inacreditáveis 72.500%, na Amazon, desde o lançamento do clube. O livro vendeu 5.500 exemplares e esgotou horas depois do anúncio, levando a editora a já trabalhar em sua reposição.

A geração Z e a leitura

Atualmente, a discussão ficou ainda mais incensada: aprendemos que ler era importante para escrever bem, mas os alunos tem terceirizado o serviço da escrita às inteligências artificiais nas escolas. Trabalho com alunos de ensino médio em oficinas de jornalismo, além de editar textos de repórteres há mais de 15 anos, então aprendi a reconhecer parágrafos escritos pela máquina. Mas na prática, pode funcionar. Chat GPT fez e o texto passou? Na cabeça do estudante pode ficar forte a dúvida: para que ler?

Pessoas que tiveram a formação de leitor sabem a resposta: ler para mergulhar em outros mundos, para ampliar vocabulário e ideias, para ter companhia. "Não sabemos muito bem como avaliar estudantes em um mundo balançado pela IA porque temos dúvidas mais profundas sobre o que exatamente devemos ensinar. Se o conhecimento e até o raciocínio podem ser terceirizados para máquinas, o que devemos aprender para avançar a humanidade?", pergunta o jornalista Pedro Burgos em texto publicado no jornal O Globo. A resposta passa por pensamento crítico, lógica, trabalho em equipe, comunicação, sensibilidade artística, empatia. Tudo isso, que a gente chama de soft skills no mercado de trabalho, pode ser adquirido com romances. Felipe, que vive em um meio criticado — se define e é um comunicador, mas é conhecido como influencer — sabe do efeito cumulativo da leitura no cérebro. E quer que mais gente saiba.

Há, claro, quem duvide um pouco da necessidade de sentar e se concentrar em algo que não emita luz e som em vídeos curtos. O consumo desenfreado de memes e conteúdo considerado bobo em rede social está criando um fenômeno novo com o nome em inglês de brainrot. É algo como deterioração do cérebro. Ou apodrecimento. Um jovem que consome vídeos de 15 segundos o dia todo desenvolve uma dificuldade de concentração não só na leitura, mas em diálogos simples. Não consegue se comunicar se não for por meme. Essa imbecilização preocupa pais da geração Z e é bem-vindo que alguém com milhões de seguidores levante a bandeira da leitura. Se todos os estão falando sobre livros, os memes podem parecer menos sedutores aos jovens. Tomara. O levantamento Retratos da Leitura, realizado pelo Ibope a pedido do Instituto Pró-Livro, afirma que a maior quantidade de leitores tem entre 11 e 13 anos. Cerca de 16% da população do país frequenta bibliotecas. E a maioria são os jovens entre 14 e 24 anos. Felipe Neto mira nesse público e acerta.

Vítima de ameaças e ataques de haters há anos, ele levanta em seus canais a bandeira contra fake news. Informação é a chave para não ser enganado. Nessa cruzada contra toda sorte de lixo que "apodrece" o cérebro na internet, sai na frente e leva uma legião de seguidores com ele que, em alguns dias, estarão na mesa do jantar discutindo um clássico de 1953 e não citando memes ininteligíveis. Quem ainda insiste em criticar o outrora garoto de cabelo colorido que joga Minecraft na internet não está pensando direito. E talvez devesse ler mais.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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