Luciana Bugni

Luciana Bugni

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Pingente de cabra de Biles é questionado em ouro de Rebeca: precisava?

Simone Biles: uma (mais uma) medalha de ouro na mão esquerda no sábado (3). Um pingente de cabra na mão direita. No rosto, um biquinho provocador — me lembra o beijinho no ombro de Valesca Popozuda, desejando vida longa aos inimigos para que eles vejam cada dia mais sua vitória.

No caminho, a inimiga: que nem é inimiga assim, é adversária. Rebeca Andrade brasileiríssima segura o ouro nas mãos na segunda (5). Biles a fita do degrau abaixo. Insusitado. Bonito. Para quem é brasileiro — a gente não sabe direito nosso valor —, é emocionante demais.

Cabra, em inglês, é goat. GOAT, na linguagem esportiva, quer dizer "greatest of all time". A melhor de todos os tempos. Biles está sugerindo ser melhor do que todas as suas concorrentes ali. Esfregando a superioridade na cara do adversário. Seria um pouco patético caso ela realmente não subisse no tablado e fosse a melhor de todos os tempos. Só que a "goat" da GOAT pode ser presunçosa, mas mentirosa não é — historicamente, mesmo agora com uma prata na mão, Biles honra a cabra que traz no peito.

Quem vai contestar a matemática?

A expressão é almejada por jogadores e fãs também no futebol e gera controvérsia na mesa de jantar da minha casa há cerca de uma década, na discussão Messi x Pelé. O filho do meio, fã do argentino, garante que esse é o melhor de todos os tempos. O pai, Rodolfo Rodrigues, jornalista esportivo especializado em estatística de futebol, prova por A + B que os números de Pelé são mais significativos. A comparação com um intervalo de décadas, no entanto, sempre dá margem às impressões subjetivas. No caso no mais novo, movidas à adoração que sente por Messi. E é um tal de "não, mas" misturado com "me passa a salada" que não acaba nunca.

No caso de Biles, a matemática não mente, por enquanto. O número de ouros supera tudo — mesmo tendo ela desistido da competição em Tóquio, por questões de saúde mental. Ali, há três anos, ela teve o que chamam de twists. Imagine que você está a metros do solo, dando piruetas e saltos mortais e, em uma fração de segundo, esquece o que é para fazer. Um perigo: cair errado é fatal. O retorno triunfal de Biles depois do ocorrido só faz com que seus feitos tenham ainda mais valor.

O pingentinho brilhante com a cabra inocente, no entanto, dividiu opiniões. Precisa? O fato de Biles ser seguida tão de perto (e às vezes ultrapassada) pela brasileira Rebeca Andrade aumenta um pouco a comoção brasileira. Metade do público torce contra a americana pois, com ela fora do jogo, o ouro vem para Rebeca. Pode vir com ela jogo também, como vimos na final do solo. Esporte é assim. Nossa melhor ginasta compete com uma cabrinha brilhante, fazer o quê? Não dá para mudar o curso da história. Ops, talvez dê sim. Rebeca suspira sorrindo e chorando lá no topo.

Biles é tão acostumada com o fato de ser a melhor de todos os tempos que cita Rebeca elogiosamente, mas confirma estar cansada de ter alguém na sua cola. Em seu documentário na Netflix também reconhece a importância da representatividade preta das duas no alto do pódio em um esporte tradicionalmente branco. Estão juntas. Se admiram. São rivais. E há uma cabra entre elas. De ouro branco no pescoço de uma. De ouro amarelo no pescoço de outra hoje. Que bonito.

"Algumas pessoas adoram e outras odeiam. Eu pensei: 'se tudo correr bem, uso o colar de cabra'. Sei que as pessoas vão enlouquecer com isso, mas no fim do dia, é louco que eu esteja sendo considerada a melhor de todos os tempos, pois ainda acho que sou só Simone Biles, de Spring, Texas, que adora dar cambalhotas", diz sobre seu acessório polêmico. Não vejo contestação possível a essa afirmação que mistura os fatos com humildade. Pode usar quantos pingentes os joalheiros fizerem (esse, em questão, foi feito de ouro branco com 546 diamantes pequenos, me conta a edição americana da Harper's Bazaar).

Continua após a publicidade

A joia ressoa na atleta. "É como se fosse um lembrete: 'você consegue chegar lá e fazer isso. Você já fez antes. Vamos'", ela disse em entrevista em Paris.

"Você já fez isso antes", eu fico pensando sobre a quantidade de desafios que me desanimam hoje mas que, inegavelmente, já foram superados algum dia. Não sou de dar piruetas no ar, imagino que a maioria dos leitores também não, mas quantas vezes você poderia sair com uma cabra cravejada de brilhantes no peito sem falsa modéstia, graças aos feitos que te levam ao pódio no seu dia a dia?

Escrevo pensando na minha própria resposta: muitas. GOAT madrasta, GOAT executora de tsurus de origami em papel de Halls (não é muito útil, mas entretém as crianças), GOAT ouvinte de amigas, GOAT fazedora de panquecas domingo de manhã (meu filho que disse)... Se pensar direitinho há mais atributos que fracasso, embora a gente pense demais nas derrotas, como uma WOAT (pior de todos os tempos). Nem tem um animal com esse nome para fazer pingente, que besteira focar nisso. GOAT, mesmo que às vezes eu carregue uma medalha de prata no peito. Não dá para ter tudo sempre.

Às vezes, melhor do que esperar a aprovação de quem nos cerca, o negócio é meter uma cabrinha de metal precioso no pescoço e assumir para si mesmo o tanto que somos boas. O biquinho de Biles segue me lembrando que só assim o recalque passa longe. "Não sou covarde, já tô pronta pro combate. Beijinho no ombro para quem tem disposição", diz a Valesca. Rebeca mostra que para nós também tem jeito. Eu acredito. Bora?

Você pode discordar de mim no Instagram.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes