Luciana Bugni

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Opinião

Após 20 anos, 'Lost' está na Netflix e traz nostalgia: como éramos em 2004?

Sawyer (Josh Holloway) está grande na minha TV de 60 polegadas mirando um revólver para um urso polar que corre veloz como um jaguar em sua direção. Ele dispara seis tiros e o som na minha sala treme com o estrondo. O bicho cai. Logo depois Kate (Evangeline Lilly) constata ser estranho aquela espécie estar em uma ilha tropical. Uma música de mistério toca e o elenco se olha intrigado. Eu me lembro então, 20 anos depois, de como era assistir Lost.

Vejo os personagens congelados no tempo pela magia do audiovisual e me lembro da morte de vários deles. Pois é, por seis anos, a série foi uma debandada do elenco principal em mortes trágicas e imprevisíveis. A premissa era justamente essa: um avião cai partido no meio e parte das pessoas sobrevive (ninguém havia pedido verossimilhança aos roteiristas).

Na ilha onde estão, incomunicáveis com o continente, precisam salvar os feridos e evitar os perigos locais, que envolvem mistérios como a presença de um animal do polo norte nos trópicos. Tem outros vários que aparecem no decorrer dos próximos episódios. De novo: tudo é muito improvável. É por isso que tanta gente detesta a trama, acha chata e infinita. Hoje, então, não sei como será a receptividade dos jovens às questões de qualidade duvidosa no roteiro.

Naquele tempo, o imediatismo tinha outro tempo. Quando a palavra lost aparecia na tela preta logo depois de uma cena muito maluca, tipo uma fumaça preta comedora de gente, a gente só ia saber a resposta para aqueles mistérios de realismo fantástico só na próxima semana. Se fosse estrategista, esperava acumular dois ou três e baixava tudo junto — sim, naquela época operávamos na ilegalidade dos conteúdos pirateados. Me orgulho? Não muito. Mas também não sei se não faria de novo. O último episódio passou ao vivo na internet no Brasil e travou bastante, por exemplo. Em 2024, se o pessoal passar o fim de semana focado, zera as seis temporadas até segunda-feira.

Lost tinha flashbacks interessantes no roteiro. Os sobreviventes do acidente viviam, na ilha, situações muito parecidas com os dramas de suas vidas no continente. É como se o destino os confrontasse de novo com impasses que pareciam ter sido deixados para trás.

Uma gravidez, o vício em drogas, o passado no crime, a dor do luto, as mágoas de família: tudo que os personagens carregam segue com eles mesmo que um avião caia em uma praia misteriosa. É aquela máxima que diz não adiantar fugir de si, já que você está em todo lugar para o qual vai.

Reassistir o episódio me levou para um futton laranja, verde e azul onde acompanhei por seis anos a série. Quase senti o cheiro da casa e da rolha de vinho que abria às vezes empolgada para saber o que aconteceria com Kate, Sawyer e o doutor Jack, o triângulo amoroso que mexia com todo mundo. Parece outra vida e outra eu, mas quantos detalhes daquela que fui eu carrego aqui hoje?

"Não sou eu que repete essa história, é a história que adora uma repetição", escreveu Chico Buarque na letra de Saltimbancos Trapalhões. Cazuza complementou quando viu o futuro repetir o passado num museu de grandes novidades. Em Lost, Mr. Eko (Adewale Akinnuoye-Agbaje) alerta para não confundir coincidência com destino.

Desmond (Henry Ian Cusick) diz em um dos episódios a frase clássica "See you in another life, brother". Em tradução livre, quer dizer "te encontro em outra vida, irmão". Mas a expressão pode ser compreendida como "a gente se vê quando der". Aqui, nas duas décadas que me separam do futton colorido, couberam tantas outras vidas... olho os personagens como se revisse amigos antigos e também a mim mesma.

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Ali estou, caminhando por uma floresta encantada e perigosa, ao 20 anos, sem saber o que fazer em caso de despressurização da cabine. É bom se revisitar para entender como chegou até aqui. As tantas outras versões de nós que ficaram pelo trajeto tem bastante a ensinar. Hoje eu sei que fumaças pretas não tomam a forma de gente morta que volta para assombrar a gente. Aliás, aprendi inclusive que é possível acabar com qualquer assombração e seguir, pleníssima.

Mas, quando falta a fé no recomeço, vale voltar no que dizia Jacob (Mark Pellegrino): "Só termina uma vez. Tudo o que acontece antes é apenas progresso".

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