Luciana Bugni

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Opinião

A pergunta que nenhum homem fez na hora: Abel, você sabe que foi machista?

Um técnico de futebol com fama de arrogante e grosso retruca a pergunta de uma repórter esportiva dizendo que não deve satisfações para ela. Nem para ela, nem para nenhuma das outras repórteres presentes na sala de imprensa onde ele se encontra justamente para responder a perguntas de jornalistas. Curiosamente, o treinador do Palmeiras Abel Ferreira declara em fala confusa que só deve explicações para três mulheres: a própria mãe, para a esposa e para a chefe, a presidente do Palmeiras, Leila Pereira.

As outras tantas jornalistas, como Alinne Fanelli, repórter da Band News FM, não merecem sua atenção. A fala pausada e prepotente deixa as mulheres irritadas porque não é o primeiro cara que usa um português primitivo e uma retórica sem muita lógica para humilhar uma mulher. Depois do burburinho da fala, ele escreveu que ligou para a jornalista para se desculpar do que chamou de mal-entendido. O texto é novamente confuso e mal escrito.

Alinne recebeu o apoio de toda a imprensa e do público. São velhas conhecidas de quem trabalha na área as dificuldades que mulheres que cobrem futebol sofrem com o machismo diariamente. São homens em campo e ao redor dele acostumados com as próprias leis do machismo. Vejo um esforço dos colegas e amigos na reportagem em mudarem estereótipos arraigados em décadas de "ela não sabe nem o que é um impedimento". Com luta e bastante paixão, elas vêm conquistando seu espaço. Mas quase sempre que um técnico irritadinho com o clima ruim das eliminações recentes resolve falar grosso, é uma mulher que ele escolhe como interlocutora. Europeu, Abel costuma dar palestrinhas de como o torcedor deve se comportar e como a imprensa deve tratá-lo. Com uma carreira vitoriosa no clube, é adorado pela torcida apesar da personalidade, digamos, controversa.

Não é só no futebol. Homens quando frustrados pela própria incapacidade de fazer algo parece que buscam criticar o trabalho de mulheres. Como se ali, se crescendo para cima de uma moça, pudesse mostrar a própria força (da qual talvez tenha duvidado ao encarar os fracassos recentes). Ele não deve satisfações à jornalista, diz antes de se contradizer e responder às perguntas de Alinne. O projeto era constranger? Que tipo de mal-entendido pode desculpar uma fala misógina?

Como repórter, não consigo contar quantas vezes sofri agressões e assédios de homens a quem entrevistei ou a quem era subordinada. Trabalhar com jornalismo é levantar sabendo que a luta é complicada. Se você é uma mulher, as dificuldades dobram. Inúmeras vezes fui ignorada em salas onde o entrevistado só olhava nos olhos dos homens presentes. Já tive comentários sobre o meu corpo expostos enquanto fazia entrevistas. Desmoralização de todos os tipos. A gente segue.

No futebol, em 2024, é inadmissível que isso ainda aconteça. Como que nenhum dos colegas presentes na sala da coletiva não levantou a mão na sequência da misoginia para confrontar o treinador? "Abel, você reconhece essa fala como machista?", poderia ter perguntado um homem na hora. Será que ele cresceria para cima do cara também? E se todos os homens levantassem e se recusassem a seguir a conversa sobre futebol com um misógino?

Parece utópico demais ver homens se unindo para combater o machismo, ainda mais em um ambiente que historicamente sempre o naturalizou.

Futebol é comportamento. Não existe mais esse papo de vamos falar sobre o que acontece entre as quatro linhas. Todas as mesas redondas repletas de homens devem repudiar o tratamento de Abel à jornalista neste domingo. A audiência cresce com fofoca e com barraco. Mas enfrentar o machista tête à tête e ajudar a nós, mulheres, nessa luta, homem nenhum quer.

Sigamos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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