Luciana Bugni

Luciana Bugni

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

De Volta aos 15 e magia de andar em bando: ninguém deve perder esse costume

"De Volta aos 15", série brasileira da Netflix, estreou nessa semana a terceira e última temporada. O famigerado tema da viagem no tempo ali, é vivido por Maisa Silva e Camila Queiroz, como a fotógrafa Anita. Um mulher de 30 anos com uma vida meio perdida que encontra uma chance de mudar o que não gosta no presente consertando uns errinhos de seu passado. Sempre com uma pequena ajuda de seus amigos, como diziam Paul McCartney e John Lennon.

Na temporada atual, a turma assume ares de protagonismo: tudo que se vive é em bando. Anita já não tem mais 15 anos, agora tem 18 e é caloura na faculdade. Teve a improvável sorte de ter sido acompanhada na empreitada pelos amigos de colégio que, em vez de debandarem depois da formatura do terceiro ano e da viagem para Porto Seguro, foram parar na mesma cidade do interior cursando a mesma faculdade e dividindo a louça suja e beijos na boca em repúblicas que ficam na mesma rua. Juro.

O improvável ali ajuda a formar a personalidade deles. Olhar para o lado e ver o amigo funciona como um espelho de confiança — ah, então é assim que eu sou? A descoberta da individualidade na adolescência se confunde com o coletivo e, embora nossos pais se desesperem com o fato de espelharmos comportamentos de outros jovens nessa fase da vida, isso pode ajudar para sempre a entender a própria reação às coisas.

Me lembrei de uma cena há mais de 20 anos, na garagem da casa de minha mãe, com a turma toda reunida — na época da faculdade, meus amigos de colégio ficaram ainda mais juntos e a gente simplesmente não via a opção de não estar completamente grudado. Um deles, sentado na rede comigo, me perguntou se eu não achava que essa fusão da galera poderia nos estagnar. Eu nem via ali outra possibilidade, porque longe deles não entendia muito bem quem era. Não sair do lugar porque tudo o que precisávamos estava ali, ao alcance de oito dígitos no telefone. Aliás, que trabalho que dava manter um grupo sólido antes de existir Whatsapp, hein? Precisava querer muito.

Claro que muitas vezes as fases da vida, nos anos seguintes (família, trabalho, mudança de cidade ou de hábitos e filhos), nos deixaram menos próximos fisicamente. Mas foi assim que, meio junto e meio separado de vez em quando, nos moldamos ao que queríamos ser. Ninguém estagnou, não. A gente foi indo. E até hoje está junto.

"Eu vacilo com meu pai, com minha irmã e vacilo com você às vezes. E parece que, se continuar como está, meu futuro não será muito legal", diz o Fabrício de João Guilherme na série. Ao olhar família e entender o grupo de amigos como uma extensão disso, é possível projetar o que quer para si e chegar lá.

Em um dos episódios, quando as meninas se juntam para proteger uma amiga que está sendo assediada, elas deixam de ser isoladas, viram um organismo forte, um tecido indestrutível: o bando. Que levanta outras mulheres. Juntas, a gente chega lá e derruba quem precisar no caminho.

(aqui tem um leve spoiler:)

Quando Anita resolve se abrir com a galera, ela consegue resolver o problema que a persegue por todas as temporadas — voltar no tempo descontroladamente. A princípio, ninguém bota muita fé: como assim viagem no tempo? Não pode ser.

Continua após a publicidade

Fabrício é quem percebe: não importa o que o amigo está dizendo, importa que está pedindo ajuda. "Se ela disser que vamos combater uma invasão alienígena, nós vamos, porque ela é nossa amiga", ele diz. Pronto, o bonde já colou. Agora não tem para ninguém.

Há alguns dias, saímos juntos, eu e meus amigos de sempre — de fato, ninguém soltou ninguém na vida adulta. O mesmo estilo de bar, sempre um amigo no palco, música, histórias de 25 anos atrás intermediadas por pontuações da vida de hoje. Agregou mais gente, nasceu criança. Mas quando estamos só nós, parece que não tem como dar errado. Ali, um se vê no olho do outro. Ninguém estagnou, não. Pelo contrário: seguimos porque estávamos juntos em tantas invasões alienígenas, casamentos, nascimentos e velórios. E vem mais por aí.

Deve ser por isso que tem tanta mulher madura suspirando com os dramas adolescentes de De Volta aos 15. Em tempos em que falta um pouco de fé que algo por ser emocionante de novo, é legal ver o pessoal ali na TV andando junto. "Ah, mas você não tem mais 17 anos", dirão os mais céticos. De fato, eu não tenho apenas 17 anos mais. Mas aquela menina também está aqui e eu vivo conversando com ela para não me perder do plano inicial. E o plano inicial era viver cercada de amigos.

Não à toa, tem um movimento forte de mulheres que entendem a amizade como os grandes amores de suas vidas. "Ai, porque o romance..." Ih, gente, estou falando eu te amo para uma galera desde os 14 anos. E eles sempre dizem "eu também".

"Eu não sei para onde vou, pode até não dar em nada", João Guilherme entoa o sucesso do pai, Leonardo, no violão. Aos 15, aos 18 (talvez aos 40), quem sabe? "Mas não vou deixar de ser um sonhador", continua ele. Quando eu me perco na vida adulta, olho a minha turma e lembro dos sonhos que andei entornando pelo caminho para poder carregar outras coisas que a maturidade pediu. Aí recolho tudo e coloco outra vez na mochila azul cheia de bottons que eu usava na década de 90. Eles assentem com a cabeça. Vamos? Bora. Tamo junto.

Você pode discordar de mim no Instagram.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes