Luciana Bugni

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Opinião

Bon Jovi conversa e resgata mulher de provável suicídio: quem já te salvou?

Jon Bon Jovi era o ídolo do pop rock de uma geração que até hoje, na maturidade, treme na base quando o vê. Isso torna a cena dele caminhando em direção a uma mulher, que parecia querer se jogar de uma ponte em Nashville, nos EUA, ainda mais simbólica. É muito improvável que um astro da música mundial apareça em sua frente bem no momento de maior desespero, em que se cogita um suicídio.

Talvez a mulher da ponte não tenha sequer reconhecido Bon Jovi. Ser alguém famoso quem conversou com ela naquele momento pode nem fazer diferença. Ela foi simplesmente acolhida por uma pessoa que a ouviu e a confortou. O número de hits do interlocutor é irrelevante. Nesse momento em que um cantor, acompanhado de sua equipe, caminha até ela, o cuidado com a vida do outro triunfou. As câmeras de segurança da cidade filmaram tudo.

Que bom que a família dessa mulher ganhou tempo com ela para aparar as arestas e —tomara— recomeçar.

No Carnaval de 2023, eu estava quase saindo com um bloco, tambores tocando na rua, de maiô, cheia de glitter no rosto e flores no cabelo, quando o telefone tocou. A notícia da morte é sempre uma bomba. A explicação de que foi um suicídio é uma segunda pancada. Não é fatalidade perder quem se ama que tirou a própria vida: é uma sensação de fracasso.

"Ele escolheu", me avisou a Gabi sobre a morte de Daniel, seu marido, um amigo e parceiro muito próximo, com quem eu tinha dividido apartamento por um período importante da minha vida. O bloco de Carnaval saindo, as pessoas eufóricas, coloridas, me chamando —e eu paralisada no tempo e no espaço, telefone colado ao rosto, tentando pensar em que momento perdi a chance de evitar que aquilo acontecesse. No momento seguinte, uma tempestade caiu. Simbólico também. O céu, às vezes, desaba na cabeça da gente.

O Centro de Valorização à Vida (CVV) lançou um vídeo bonito essa semana. Entre depoimentos de tentantes (que é como se chama pessoas que sobreviveram ao suicídio) e outros envolvidos, uma pergunta cala fundo: o que você diria se tivesse 40 segundos para evitar a morte de alguém a quem ama?

Não sei o que Bon Jovi disse à moça em Nashville, mas aparentemente funcionou. No vídeo, que está aqui abaixo, todo mundo engasga. Mas vem o alento: a gente não tem só 40 segundos. Para quem você disse: "Como você está", hoje? Todos os dias há 24 horas para se importar com alguém.

No período mais complicado da minha vida, quando, sob inúmeras violências, eu tinha dificuldade de prosseguir, meus amigos se revezaram em um esquema de amor e cuidado. Quando eu vacilava, tinha alguém lá, sentado, segurando a minha mão, me contando o roteiro de um filme que eu nunca vi, mas é como se tivesse visto, oferecendo comida, mostrando arte. Arte salva também, sabia? Às vezes é um livro, um texto, uma peça, uma música que te salva.

O próprio Daniel, nessa época, me colocou sentada em um sofá preto de couro na sala do apartamento, colocou um disco de Caetano para tocar e me fez ouvir "Oração ao Tempo". Ele avisou que um dia faria sentido. Que a dor não dói para sempre. Tempo, tempo, tempo, tempo.

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Naquela época, eu entendi que amigo salva a vida da gente. E o vídeo do CVV traz algo que me lembra a situação: "às vezes, nem é preciso falar nada, é só escutar". A gente acha que precisa ter tiradas geniais que tirem o outro do buraco, mas a verdade é que apenas escutar com atenção também salva vidas. O bom é velho "putz, que complicado" já é sinal de empatia. Pronto, não estou mais sozinha.

Eu não tive 40 segundos para evitar a morte de meu amigo pouco antes daquilo acontecer. Eu nem sabia que esse era um horizonte provável. Eu não percebi. Meu último "como você está" havia sido três meses antes. E na resposta não havia qualquer sinal de alerta. A vida corre, a gente se perde no que nem tem importância.

A morte de Dani me aproximou de outros amigos de quem andava afastada. No WhatsApp e no Instagram, o que não falta é "como você está". A resposta é quase um escaneamento no corpo: há dias em que cansada, outros com sentimento de injustiça porque algo deu errado, outros muito animada, outros, veja só, feliz. Responder é conhecer a si mesmo um pouco mais.

Naquele Carnaval, depois de enterro, lágrima e muita chuva, ainda sobrou um dia em que fui para o bloco. Me disseram que os vivos tinham que celebrar. Na multidão, caminhando, surgiu um amigo, que mora a 30 km dali. Ele havia atravessado milhares de pessoas, sem me avisar, para saber como eu estava. O abraço cura a gente.

Essa tarde conversei com a Gabi sobre a coluna e se deveria falar publicamente sobre a causa da morte do Dani. Ela disse que sim. Que a gente tem que falar mais e mais até todo mundo ficar sempre alerta. Para salvar as outras pessoas que estão paradas em outras pontes em Nashvilles por aí.

Eu acho curioso que a música mais famosa de Bon Jovi tenha um refrão que afirma: "e eu estarei lá para todo o sempre, sempre". Basta estar no momento certo. Mas sempre é melhor ainda.

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Eu queria não ter estado tão ocupada nos últimos meses de vida do meu amigo. Não sinto culpa, entretanto. Ninguém que perdeu alguém merece carregar mais esse fardo. Mas estou aqui, agora, alerta, na vida de todos os outros.

Sugiro que você também levante essa cabeça dessa timeline infinita de vídeos curtos que não vai te levar a lugar nenhum e olhe para quem importa de verdade. Celebrar os vivos, como fiz no Carnaval. Salva gente também.

Aliás, como você está?

A gente pode falar mais disso no Instagram.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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