Luciana Bugni

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Opinião

Tabata Amaral escancara a curiosa proibição de mulher falar palavrão na TV

Gabriel, o Pensador descrevia o retrato de um playboy nos anos 1990 com adjetivos que minha mãe nunca permitiu que eu repetisse. Hermes e Renato ascenderam midiaticamente em uma comédia de qualidade duvidosa na MTV falando palavras de baixo calão sem nem precisar —mas sem isso não sei muito bem o que eles mostrariam na TV. Costinha, Ary Toledo e outros comediantes pouco ortodoxos por décadas falavam palavras que a gente não repete na frente da avó. Bom, depende da avó.

O próprio Renato Russo, guru sentimental de uma geração, permitiu que todo mundo enchesse a boca para vingar João de Santo Cristo em seu leito de morte (ele caiu atirando e chamando a mãe de Jeremias de coisas pouco amigáveis).

Mas o resumo é que falar palavrão sempre foi legalizado na mídia —desde que você seja homem.

"Ah, mas a Dercy Gonçalves", vai me dizer o leitor que não chegou ao quarto parágrafo do texto. Pois é, Dercy já afirmou que descobriu no início da carreira que falar palavrões fazia com que as pessoas rissem.

"Como cantora, eu não ganhava dinheiro, ganhava pouco. Era uma mão-de-obra para trabalhar nos circos, nos cabarés, nos puteiros. Aí, um dia, fui assistir a uns portugueses que vieram de Coimbra para fazer um espetáculo no Teatro Municipal. Quando um deles falou no palco 'eu estou todo cagado' (com sotaque), o povo caiu na gargalhada. Aí também comecei a falar palavrão: puta que pariu, caralho, e todos riam. Então, é por aqui que vou ganhar. Ganhei dinheiro com palavrão pra caramba. Não tenho medo de falar, porque tenho certeza de que não é palavrão. Palavrão, meu filho, é condomínio, palavrão é fome, palavrão é a maldade que estão fazendo com um colírio custando 40 mil réis, palavrão é não ter cama nos hospitais", ela disse em entrevista à Folha em 2007.

Bom, Dercy durou até os 100 anos falando palavrão e fez dessa característica incomum no universo feminino seu mote. É, portanto, a exceção que confirma a regra. Enquanto Camisimiros e outros youtubers normalizam baixo calão sem amenizar com o "piii", jornalistas mulheres que vazam no noticiário xingando algum erro fora da câmeras viralizam como se fosse algo inacreditável.

Chegamos então à improvável cena. Depois de uma campanha eleitoral coberta de violências diversas e bizarrice de todo tipo, a elegante Tabata Amaral desce no salto —mais por exaustão do que por falta de educação— e solta uma séria de palavrões na sequência. A cara e o tom de voz de princesinha impressionam: ela não chega a ofender ninguém, só lamenta a própria situação naquele covil de candidatos com as palavras que minha mãe me cobrava 10 centavos caso eu reproduzisse no jantar.

(Aqui cabe um parênteses: a multa aplicada em minha casa não foi de grande serventia e hoje a própria patrulha dos bons modos às vezes solta um ou outro termo na mesma mesa de jantar. Se não pode contra o inimigo, junte-se a ele.)

O colunista Matheus Pichonelli falou sobre o assunto aqui e sugeriu que Tabata fez um cosplay de Dercy. A sujeira no tabuleiro eleitoral, ele afirma, leva todos a se comportarem como o candidato que só surgiu para alimentar o caos. Não acho que seja para tanto.

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O midiático Datena, em entrevista para o mesmo repórter, fala diversos palavrões que são reproduzidos em matéria da revista Piauí. O termo não causa estranheza em nenhum momento. Ditas por um homem, inclusive, soam como uma tentativa de mostrar o candidato, um senhor idoso, como gente como a gente. Está tudo certo.

Os palavrões de Tabata, infelizmente, viram assunto em um dia em que um homem deu socos em outro, que saiu pingando sangue do ambiente. "Que absurdo, uma mulher se comportar dessa maneira". Os rapazes? "Ah, cadeiradas são pedagógicas."

Eu sigo os versos de Arnaldo Antunes: "rimos alto, bebemos e falamos palavrão". Minha mãe não fica feliz com nenhum dos três, mas não dá para agradar todo mundo.

Segue o jogo, Tabata. Foda-se.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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