Abuso sexual: Tata chora com Débora Falabella e representa toda mulher
"Você sabia que foi estuprada?" A pergunta me pegou de surpresa 13 anos depois do ocorrido, quando eu já tinha mais de 30 anos. "Não fui", eu respondi imediatamente. "Não foi isso. Eu entrei no carro. Eu aceitei sair com ele. Eu subi no apartamento. A culpa é minha".
A cena voltou à minha mente vendo a peça de Débora Falabella, "Prima Facie". No monólogo, ela interpreta uma advogada de defesa cujos clientes são homens acusados de violência sexual. Ela os defende com argumentos muito parecidos com os que usei mentalmente por 13 anos, fingindo que não era bem isso o que havia acontecido comigo. Precisou chegar um amigo para olhar nos meus olhos e explicar que sim, se tratava de estupro. E não, a culpa não era minha. Eu tinha direito de ter mudado de ideia mesmo tendo entrado no carro de alguém e subido em seu apartamento.
Toda vez que menciono histórias assim, escrevo essas linhas com o estômago levemente embrulhado. Eu vou publicar essa coluna mesmo? Serei julgada? Preciso ligar para minha mãe antes e amaciar o terreno? Será que a culpa não é minha mesmo?
A peça de Débora assenta tudo isso na contradição de uma ebulição serena. A sociedade é assim. Massacra mulheres. O sistema judiciário, conduzido pelo machismo, às vezes na boca de advogadas do sexo feminino ou juízas, termina de enterrar. Como uma vítima de estupro pode se manifestar? Em momento de dor, vergonha e sensação de sujeira, é justo que tenha que responder a perguntas desconfiadas de homens ou mulheres que não parecem querer legitimizar o ocorrido?
Tata Werneck, amiga de Débora, trouxe na noite de segunda-feira (4) o tema em seu programa, enquanto entrevistava a atriz. Ela, que não usa a palavra abuso no palco, diz que na infância passou por uma situação muito difícil e foi, como no monólogo, descredibilizada. Quando viu a peça com os pais, lembrou da quantidade de perguntas que teve que responder —todos que deviam protegê-la, agiam como se duvidassem dela. Tata chora. "Não falo dessa situação porque ainda tenho medo". Medo. A gente tem medo.
Débora também chora, porque entende o que ela diz. Ela interpreta há meses no teatro uma mulher que repete aquelas mesmas frases. "Que roupa você estava usando?", "você bebeu?", "você levou para sua casa?", "testemunhas viram vocês rindo".
Eu também choro, porque sei do que elas estão falando. É complicado ser mulher, não é? Débora segura a mão de Tata com os olhos marejados como quem acolhe. Tata diz que perdeu o controle —minutos antes ela estava gargalhando mesmo. A gente acolhe porque sabe que viver é esse levanta e cai.
Débora diz em um momento do programa que são as amigas que melhoram sua saúde mental. Aquele olhar que entende. Que diz: "estarei aqui por vocês". E quando não há nada a fazer, resigna-se em um "sinto muito" sincero. Significa bastante.
Ver o diálogo honesto (e divertido) dessas duas atrizes é um privilégio. Dá a sensação de não estar só.
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Como denunciar violência contra a mulher
Mulheres que passaram ou estejam passando por situação de violência, seja física, psicológica ou sexual, podem ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 9610-0180.
Mulheres vítimas de estupro podem buscar os hospitais de referência em atendimento para violência sexual, para tomar medicação de prevenção de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), ter atendimento psicológico e fazer interrupção da gestação legalmente.
Se houver intuito de denunciar, a orientação é buscar uma delegacia especializada em atendimento a mulheres. Caso não haja essa possibilidade, os registros podem ser feitos em delegacias comuns.
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