Além do romance: amizade de Fátima e Diana em 'Mania de Você' é amor também
Fátima (Mariana Santos) vive sendo humilhada pelo marido Robson (Eriberto Leão) em "Mania de Você" (Globo). Ele implica com suas roupas, com seu corpo, seu peso de uma maneira que destrói a autoestima da mulher.
A prática é muito mais comum do que gostaríamos: anulando a força da parceira, o homem acaba se sentindo mais poderoso e, assim, consegue fazer o que quiser na relação. Como a moça vai combater o que acha errado se nem sequer acredita em si mesma?
A personagem não é amargurada, pelo contrário. Vive serenamente bloqueando a realidade de seu casamento com um pensamento que é comum para muita gente: "Não dá para ser diferente".
(Aqui, cabe uma nota da colunista. Opa, se dá para ser diferente. É difícil e destruidor, mas tem uma vida maravilhosa lá fora quando a gente sai de relacionamentos cruéis assim.)
Na vida de Fátima surge a figura essencial de uma amiga, Diana (Vanessa Bueno), que se dedica a dizer o óbvio invisível: "você é maravilhosa, sim". As falas pontuais e certeiras de alguém tão carinhosa vão de certa forma alicerçando a frágil estrutura de autoestima de Fátima, detonada por Robson. Em pé, acreditando em si mesma, ela talvez tenha alguma força para sair daquela situação. Mas precisa das palavras da amiga indicando o caminho que, afogada em toxidade, não é capaz de trilhar.
Inicialmente, a ideia era que as duas amigas se apaixonassem e vivessem um romance que as livrasse dos maridos que ficam aquém do esperado. A (não) aceitação das tramas polêmicas por parte do público, entretanto, fez com que o autor mudasse da ideia. Alguns até chiaram acusando o preconceito na Globo. Afinal, não tem nada de polêmico em duas mulheres se apaixonarem.
Mas, cá entre nós: tem romance mais bonito do que a amizade verdadeira entre elas? Aquela em que se diz e ouve o que pensa. Esclarece caminhos. Ajuda a formatar ideias que ficam difusas quando estamos à luz (ou melhor, à sombra) de alguém que só critica.
A psicanalista e psicóloga Ingrid Gerolmich, autora do livro "Para Revolucionar o Amor: A Crise do Amor Romântico e o Poder da Amizade entre Mulheres" afirma que, apesar de o amor romântico ter exercido um papel central nas relações humanas, a amizade entre mulheres desafia as normas de gênero estabelecidas que insistem em romantizar a dependência emocional e a submissão feminina.
Ou seja: a verdadeira revolução é amar sua amiga. E não, não estamos falando de beijar na boca e transar —mas se todo mundo quiser também pode.
Esse papo de que ter uma aliança no dedo parece condição primordial para a felicidade já era. "Como bell hooks, vejo o amor para além de um sentimento, mas como uma prática. Mais que isso até: como uma responsabilidade que precisamos assumir conosco e com o mundo. Para amar é necessário compromisso, envolvimento, cuidado, respeito. O amor não subjuga, ele liberta, mas para isso é preciso ser exercido enquanto uma ética solidária, democrática e coletiva, e não como instrumento discursivo para auxiliar na manutenção do poder de uns sobre os outros", diz Ingrid, que completa.
"O amor romântico, tal como foi concebido e perpetuado ao longo dos últimos séculos, se baseia em normas patriarcais amizade que relegam às mulheres papeis passivos e submissos. Neste contexto, a amizade entre mulheres emerge como uma força revolucionária, uma contraposição poderosa ao paradigma do amor romântico patriarcal, que coloniza os nossos afetos". Que clareza de pensamento!
Recentemente, um estudo de Harvard decretou que não é a maternidade que atrapalha a carreira das mulheres —é o marido! Nós não deixamos as oportunidades de lado porque priorizamos as crianças. O que priorizamos, sim, é a carreira deles. Agora, cá entre nós: quando foi que você recusou uma transferência de trabalho porque alguma amiga achou que não era boa ideia? Nunquinha. Amiga de verdade só empurra a gente para cima.
"Em vez de buscar a validação e a completude através de parceiros românticos, podemos encontrar em nossas amizades um espaço de libertação das amarras que nos impedem de ir além. Em vez de dependerem de parceiros românticos para sua felicidade e realização, as mulheres que valorizam a amizade entre si encontram uma fonte inesgotável de força interior e autonomia. Elas descobrem que são capazes de construir vidas significativas e satisfatórias, independentemente do status de seus relacionamentos amorosos", completa Ingrid.
Escutei outro dia que antigamente as mulheres não se separavam porque eram financeiramente dependentes —e isso acontece de certa forma até hoje—, mas também porque tinham muito medo de não serem ninguém sozinhas. "Meu livro é um chamado a questionarmos o que ainda limita a nossa existência enquanto mulheres para traçarmos juntas os caminhos rumo àquilo que faz a alma de cada uma de nós dançar livremente no mundo", diz Ingrid.
A novela, as pesquisas, o livro de Ingrid, as conversas e memes trocados diariamente com as amigas no Whatsapp: está claro que sozinhas não estaremos jamais. Agora é só ir.
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