Luciana Bugni

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Opinião

SBT: série sobre Gugu e a importância de olhar erros (e acertos) do passado

A série documental "Gugu, Toninho e Augusto", que estreia nesta quarta-feira (20), no SBT, às 23h, começa já fazendo um mea culpa do passado. Um disclaimer em tela preta diz: "Os trechos em arquivo desta obra podem trazer abordagens pejorativas e/ou preconceituosas, retrato da ocasião em que foram escritas ou gravadas. Nós, do SBT, entendemos que resgatar a história nos ajuda a refletir sobre o passado e a idealizar a construção de um futuro mais acolhedor e plural". Quinta-feira (21), quando completa cinco anos de sua morte, todos os episódios da série estarão no +SBT.

Filmes antigos da Disney também têm alerta parecido no streaming. Está claro que, no audiovisual e na vida, fizemos e consumimos produtos dos quais não mais nos orgulhamos. Os tempos mudaram, evoluímos. Mas não dá para negar aquilo que foi sucesso há 30 anos como exemplo de como nos comportávamos em sociedade. Não por acaso, os programas e invencionices de Gugu Liberato na década de 1990 e 2000 são referência até hoje como case de ineditismo e também como exemplo de "onde é que estávamos com a cabeça?"

Gugu foi vanguarda em algo que hoje fazemos o dia todo, sem perceber: ele devorava as estatísticas de audiência. É mais ou menos o que você faz quando posta uma foto na piscina tomando um drinque e fica checando as curtidas —mas na TV isso acontecia em tempo real, ao vivo, para o Brasil todo, sem o Twitter para orientar o público. E dava certo. Medir a audiência dá indícios poderosos do que as pessoas querem ver. E, ao oferecer isso, seu programa ficava não raras vezes na liderança da TV aberta em uma época em que ainda não conhecíamos as maravilhas (e terrores) do smartphone. Bons tempos. Ou quase.

A conclusão da produção do Domingo Legal, capitaneado pelo apresentador, era que essa audiência queria ver safadeza. E um pouco de informação. Mas não precisava ser tudo verdade, bastava a sugestão. Ou seja, muito parecido com as redes sociais de hoje em dia com corpos expostos, piadinhas sacanas e uma boa dose de mocinho e bandido no noticiário.

Ele entendeu bem antes do algoritmo surgir que o jornalismo e o entretenimento andavam de mãos dadas. O "todo mundo está falando disso", no programa de Gugu, virava país inteiro mesmo. Quando caiu o avião dos Mamonas Assassinas, ele trouxe a vidente mãe Dinah, que havia previsto a tragédia, ao palco. Derrubou a programação leve e tocou horas de jornalismo ao vivo. O resultado é que jornalistas de vários veículos de imprensa foram para o estúdio, para assistir aos bastidores. Ali, a informação chegava antes. E ele recebeu esses colegas com extrema gentileza.

Em uma rebelião em presídio, se aproveitou de ser o único a transmitir ao vivo no momento com equipe de jornalismo própria. Imagens aéreas feitas de seu helicóptero (comandante Hamilton já estava voando) mostravam toda a movimentação no presídio. No ar, Gugu anunciava que o governador entraria no ar a qualquer momento. A produção se inflamou preocupada: "Não temos o governador, Gugu". Ele retrucou com deboche: "E vocês acreditam em tudo que veem na TV?" A mentirinha no ar parece brincadeira de jardim da infância perto de tudo o que vemos hoje no laboratório de fake news que virou a comunicação no mundo.

Mas a história deu a oportunidade de Gugu repensar, em vida, as atitudes do passado. Na corrida maluca para vencer Fausto Silva, da Globo, que intercalava com ele a liderança das tardes de domingo, teve de tudo. Inclusive entrevistar líderes do PCC. Pois é. É jornalismo? Tem limites. O apresentador, anos depois, em conversa com a Hebe, pediu desculpas públicas pelo que chama de erro. E nem foi por estar sendo cancelado nas redes sociais, hein.

A conotação sexual de tudo, com cenas de intensa objetificação do corpo da mulher também é pauta no documentário. Imagina só colocar homens famosos para espirrar água nas camisetas brancas de mulheres sem sutiã até que seus seios aparecessem? Ou colocá-las para fazer striptease em frente aos homens com batimentos cardíacos monitorados? Ou colocar a Gretchen para rebolar e encoxar Jean-Claude Van Damme e depois fazer de sua ereção protagonista de uma tarde toda? E a banheira? Em que planeta seria normal colocar mulheres seminuas para serem agredidas e apalpadas por homens em rede nacional em uma luta física por um sabonete?

Alessandra Scatena, uma das musas da banheira, afirma que não gostava de fazer o quadro. Mais tarde, em uma das sinalizações de que os tempos estavam mudando, a atração foi proibida pela Justiça. No ar, o elenco satirizava a proibição como censura. Estou falando que tudo que vemos no Brasil hoje se parece muito com aquela sociedade que se desenhava lá atrás...

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(Em tempo: a proibição pertinente não se trata de censura. É compreensível que se impeça uma emissora de TV de expor seus funcionários às situações degradantes e ainda mais compreensível evitar que isso se dê no meio da tarde, com as crianças vendo. "Ah, mas eu cresci vendo banheira do Gugu e não virei um agressor". Será mesmo, amigo?)

Todo esse olhar crítico acerca dos pontos duvidosos do legado do apresentador é rico e mérito da série documental. Colocar o dedo nas feridas da história de nosso comportamento é uma boa maneira de estancar o sangue e decidir o que queremos ou não repetir. A herança positiva de Augusto Liberato, entretanto, é enorme.

Um visionário, um jornalista, um comunicador, um hit maker (oi, pintinho amarelinho), um empresário, um homem coerente, discreto, bom pai, que varria as polêmicas para debaixo do tapete em nome de sua persona pública. O documentário vai pela mesma trilha: os filhos falam separadamente sobre o pai, mas ninguém aborda a briga que segue por conta da herança. Gugu, como queria ser visto. Apesar do comportamento abutre da audiência sensacionalista que ele mesmo ajudou a formar, parece ser o caminho mais elegante a seguir. Como ele era.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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