Luciana Bugni

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Opinião

'Eterna vítima': Piovani e a dificuldade de denunciar violência sem apoio

Foi há 16 anos. Apanhar de um homem não era algo que a gente podia comentar em voz alta. Em 2008, quando Luana Piovani expôs a agressão de Dado Dolabella a ela e a uma camareira da Globo, foi um escândalo. Mas a atitude desbravou um mundo que não havíamos acessado até então: é possível denunciar agressões tidas como "leves" e se proteger das próximas com medidas protetivas, como a obtida pela atriz e que proibia Dado de ficar a menos de 250m dela.

A lei Maria da Penha já existia há dois anos, mas a corrente de apoio feminino que temos hoje era inimaginável quando a atriz colocou a boca no trombone. Luana comentou recentemente no Sem Censura, em entrevista a Cissa Guimarães, que as consequências vieram rápido. Ela foi muito julgada pela sociedade e pelo empregador. E chorou lembrando disso, porque geralmente a gente sofre ao abrir os porões da memória em busca de traumas e revivê-los.

Isso se dá porque não existe ex-vítima. Vítima é um substantivo atemporal. Você foi vítima de violência no passado? Segue sendo no presente e continuará a ser no futuro. O rosto de quem apanhou arde eternamente. Esse é um detalhe muito injusto: o agressor de alguma forma se perpetua na agressão. E no que chamamos de revitimização: falar sobre o ocorrido é certeza de ser julgada. Por isso, tanta gente omite as violências por tanto tempo em uma tentativa de deixar o violentador fora de suas vidas e, assim, deixar também a sociedade que julga a mulher sem acesso à história.

Luana desbravou midiaticamente tudo isso nos anos 2000. Mulheres agredidas se sabem capazes de expor a situação porque ela transformou seu drama privado em público. E mais que isso: 16 anos depois, quando conversa com Cissa Guimarães, provoca a reflexão em outras mulheres que ainda olham para vítimas com olhar julgador. É compreensível: nossa sociedade foi construída em cima de um sólido e cruel alicerce do machismo que impacta também quem é do sexo feminino.

É estarrecedor, entretanto, que quase 20 anos depois de ser acusado, Dado Dolabella e sua advogada achem uma boa ideia falar publicamente sobre o assunto e acusar Luana de "eterna vítima". O texto também sugere que ela, a ex-namorada famosa, use Dado para aparecer na mídia. Não precisa. Luana é notícia o tempo todo, antes, durante e depois desse relacionamento.

Meses depois do ocorrido, em 2009, estive no lançamento do filme Mulher Invisível, com Luana e Selton Mello. Luana entrou na sala exuberante. Os repórteres presentes, eu inclusa, comentaram: "mas está bonita, hein, Luana?". Ela respondeu rapidamente: "Pé na bunda. Pé na bunda deixa a gente linda". Anos depois, comentei com ela esse episódio. Ela não se lembrava, mas falou que uma das coisas que mais a deixa orgulhosa é a própria coerência. "Digo a mesma coisa que dizia antes, hoje só organizo melhor as palavras". Se livrar do relacionamento que fazia mal pode até causar certo sofrimento na hora mas, no fim das contas, a deixou linda. Até hoje.

A vítima não deixa de ser vítima, mas Luana dá uma aula de como superar o assunto há mais de 15 anos. E ainda ensina o pessoal a não perder as boas oportunidades de ficar calado quando a história não pega muito bem para o lado deles. Estamos em 2024. Ainda bem.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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