Fernanda Torres, o Brasil de 2024 e o que queremos para o ano novo
Fernanda Torres está me mandando um beijo na televisão, no intervalo de uma playlist que eu assistia no Youtube. Ela é uma das estrelas de uma propaganda de banco — eu nem gosto muito de banco — que eu assisto diversas vezes, com lágrimas nos olhos. Ali, ela me explica que a gente chora porque às vezes transborda. Eu, quase todo dia.
A coisa que mais gostei de ver na internet esse ano que passou (e parece que foi há tanto tempo que era dezembro) foi Fernanda Torres. A estrela de "Ainda Estou Aqui", o filme que fez o brasileiro gostar de novo de ser brasileiro, concorre neste domingo (5), ao prêmio de melhor atriz no Globo de Ouro. E só o fato de concorrer já deixa a gente encantado. Se ganhar, então, mete um feriado nacional e já emenda com o Carnaval, que é em março.
Mas o fenômeno Eunice Paiva — a mulher forte que, de uma maneira muito improvável, é derrotada vencendo — é apenas uma face das muitas Fernandas Torres que fizeram o Brasil se encantar.
Uma das minhas favoritas é aquela que dá uma entrevista no Jô Soares e pira por alguma razão ao dizer algo e volta ao centro "vamos falar do livro, sou uma escritora respeitável", ela diz, se recompondo, para mostrar serenidade. Jô endossa dizendo que ela é uma escritora incrível — e ela segura o rosto do entrevistador com as duas mãos antes de beijá-lo na boca "Aí, Jô, você acha?". Típica história que "contando assim não é tão engraçado, tem que ver", sabe?
Essa Fernanda multifacetada é meu desejo para todo mundo em 2025: que você tenha a permissão para ser várias.
De repente, a atriz está num festival italiano gastando o "grazie mile" (que no caso dela é italiano de verdade, com verbos bem conjugados). Num outro momento, ela está mandando o mantra de 2024 (pensei em tatuar, não vou mentir): a vida presta. A vida presta? 2024 prestou? E não é que foi bom mesmo agora que olho daqui, com a cabeça fora da água? Eita.
E olha só, a Fernanda Torres no Bial, lembrando quando foi casada com ele e como chegava feliz aos ensaios do teatro — você se imagina na TV falando sobre um amor de 40 anos atrás de maneira elogiosa sendo que o interlocutor era o próprio ex?
Depois — ou antes, a internet não tem barreira de tempo — ela está dançando um funk clássico em uma cena de seriado antigo ("Os Normais) com o mesmo Selton Mello com quem dividiu os festivais todos e o set no ano que já passou. E então está encarnando a melhor amiga que todas queremos no clássico dueto Fátima e Sueli (Andrea Beltrão) de "Tapas e Beijos". Tem mais, tem muito mais Fernanda de onde vieram essas.
E aí, então, está sendo uma escritora respeitável, como disse para Jô Soares, antes de enfiar a língua na boca dela (não foi isso, mas me deixa exagerar). Está escrevendo "Fim", um romance que adoro, que virou uma excelente série na Globoplay anos depois. Ou então está fazendo um incrível e honesto relato de viagem na Revista Piauí, em um texto de 2012: ali, conta como foi passar quatro meses no Xingu para gravar "Kuarup", de Ruy Guerra. A descrição romântica de dias na mata aos 23 nos vai se desfazendo como carne moída congelada, que era a base das refeições na floresta.
"Carência é o outro nome de uma película de locação. Aceitar um emprego assim é como se alistar no Exército. Você abre mão de sua individualidade, de sua vida passada, você suspende momentaneamente os seus direitos de cidadão e passa a agir apenas em nome do regimento", ela diz em um momento. A frase se aplica a tantas escolhas da vida que eu nem sei mensurar.
No mesmo texto, Fernanda diz que "os personagens, cada um à sua maneira, se juntam à expedição por razões idealistas, românticas, éticas e científicas, mas acabam fazendo uma viagem para dentro de si mesmos". Hm, isso explica a viagem em que estamos com Eunices, Vanis, Fátimas e as outras tantas, que são a própria Fernanda, para dentro de nós mesmas. Nos juntamos a ela por razões idealistas, éticas ou de carência (romântica?) e seguimos com ela por que é na parceria do encontro improvável que fazemos a melhor viagem para dentro de nós mesmos.
Pode ser o rebolado de Vani, que vive perdida: "É difícil ser Vani, uma luta constante de mim contra mim mesma", como diz o texto de Fernanda Young. Pode ser no sorriso que Eunice Paiva força para mostrar que vai cair atirando. Pode ser em um texto de 2012 que, de alguma forma, me apresenta uma nova eu, num Quarup que ninguém estava estava esperando.
Fernanda Torres entre as indicadas essa noite é o símbolo de um Brasil que sempre recomeça. E eu e você também. Com a permissão de transbordamento.
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