Luciana Bugni

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Opinião

Educar x apontar o dedo: o que história da criança no avião fala sobre nós

Uma moça está sentada na janela do avião. Eu poderia ser ela. Adoro a janela. Alguém pede que ela levante e dê o lugar a uma criança. Ela diz que não, obrigada, gosta de ler seus livrinhos na janela. A pessoa começa a filmar indignada. Ela não gosta de nãos. Eu penso: "Putz, complicado".

Uma criança quer sentar na janela do avião. Eu poderia ser ela. Adoro a janela. Sempre que tem alguém que não eu na janela eu penso que seria legal se a pessoa trocasse de lugar comigo. Uma vez (juro), convenci uma criança a trocar de lugar comigo só para ficar na janela. O menor de idade era meu filho, então nem hesitei em enganá-lo com: "Ficar no meio do papai e da mamãe é mais legal". Se eu não tivesse vergonha, faria birras homéricas para conseguir o que quero, mesmo depois dos 40. Aqui entre nós: às vezes eu faço.

Uma mãe está desesperada no avião. Eu poderia ser ela. Talvez seja eu mesma, pedindo ajuda para desconhecidos. Eu me lembrei da madrugada São Paulo-Recife em que passei 3 horas e meia circulando pelos corredores da aeronave de peito para fora com uma criança no colo que só se acalmava mamando e andando. A gente faz cada coisa para evitar que o filho chore no avião... isso porque já fomos os outros, incomodados com bebê chorando no avião.

Quem está certo na polêmica que movimentou o país essa semana? Dependendo do ângulo, todo mundo. Dependendo do ângulo, ninguém. É mais fácil se colocar no lugar da moça serena que não se moveu de sua janela (invejei, pois sou tão tonta que teria cedido o lugar na hora). E mesmo sem se mover, viu o país querendo segui-la no Instagram. Talvez sua recusa mude sua vida. A influencer do voo. Legal.

É fácil julgar a mãe. Estamos completamente perdidos nesse tal de educar faz tempo. É só olhar a média da geração Z para perceber que algo deu errado nas últimas décadas e nessa nossa mania de dizer sim. Quer jogar Candy Crush? Manda ver! Quem comer só o recheio da bolacha? Arrepia! Quem chutar essa bola 20 vezes na porta da sala até o rebote derrubar o vaso? Claro, filho, o que mais? Quer sentar na janela do avião? Peraí que vou tirar quem quer que seja do caminho.

Criar é complicado. Escrevo essa coluna com uma criança doente escorada em mim. Estamos assim há cinco dias e eu, que trabalho de casa, recorri ao apoio incondicional da Bluey (o desenho da Disney+) para educá-lo e para eu poder trabalhar. Nenhuma das duas coisas está funcionando muito bem —nem o trabalho, nem a educação. Faço concessões a mim mesma para aliviar a culpa materna. Planejo mentalmente o resto do mês em férias (dele) em condições similares e programo atividades lúdicas que dificilmente poderei cumprir. Têm sido assim os últimos sete anos. Eu tento acertar errando.

Aprendi, entretanto, que negativas podem ser positivas para a educação. Ceder é importante, sim. Entender que o brinquedo do amiguinho não é seu também é. Ninguém quer comer as bolachinhas lambidas sem recheio, então ninguém deveria comer só o recheio. Para começar, ninguém nem deveria comer bolacha, melhor trocar por maçã. Está claro? Sim. Mas vai falar isso para uma mãe exausta na função de educar 24 horas por dia... A gente falha pra caramba.

A moça da janela do avião está correta. Ponto. O Brasil inteiro está com ela. A mãe não deve responsabilizar o terceiro pela educação de seu menor. Muito menos expor quem se recusou a participar da criação que apenas lhe compete. Mas dá para apontarmos o dedo para a mãe publicamente enquanto erra no particular? A Bluey na TV me diz que não dá para julgar, não.

Porém, um olhar de compreensão para uma mãe desesperada —desde que essa não esteja atacando você— vale a pena também. Daqui a pouco estaremos banindo crianças do avião. Uma vez, carregando um bebê de quatro meses preso no sling dormindo, fui expulsa na plateia de um balé por uma senhora indignada com a possibilidade da criança chorar durante o espetáculo. Constrangida e chateada, assisti tudo de pé, próxima à porta. A criança não acordou em nenhum momento...

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Mas outra coisa que já me disseram é que se você tem dúvidas se vai dar conta educar seu filho, pode tomar uma atitude antes de engravidar: usar camisinha. Na maioria dos casos, evita todos os problemas descritos aqui acima.

E peraí que vou buscar o termômetro. Fazer uma compressinha. Um cafuné. Cortar uma maçã. Ai, Bandit e Bluey, não sei o que seria de mim sem vocês...

Você pode discordar de mim no Instagram.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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