Mais um ano em que prometemos não entrar na loucura de dezembro e falhamos
Estou entrando no prédio com sacolas de presentes gangrenando meu antebraço esquerdo. O direito eu não uso mais para nada que não seja segurar um celular há uns 10 anos. É 20 e tanto de dezembro e eu outra vez deixei tudo para o último fim de semana antes do Natal. Você também? Passei o mês dizendo "esse ano eu não vou comprar nadaaaaa" e a culpa bateu na trave na véspera do aniversário de Jesus. Foi bem quando me dei conta que, se não comprasse nada, ninguém ia ganhar nada. Sim, a lógica me foge às vezes e, quando retorna, é um nocaute.
Alguns princípios eu mantive: me recusei a pegar o carro e entrar em um shopping abarrotado de gente insana como eu. Saí pelas lojas de rua do bairro conhecendo a população local, as vitrines e os produtos superfaturados. Entrei num bazar e comprei papel de presente colorido e fita para fazer laços. Minha personalidade contraditória gritava comigo mesma ("vou conseguirrrrrr" e "é impossível conseguirrrr"). Uma moça insistia para que eu provasse 200 aromas de sabonetes, enquanto eu dizia que esses três escolhidos eram meus favoritos mesmo. Resolvia um cardápio no telefone enquanto comprava o presente do amigo secreto por mímica (aliás, moça da loja, você é excelente no jogo). Não tenho ideia do que decidimos no menu da ceia.
Pois venci essa parte da gincana e entrei no prédio carregada. Vi a porta do elevador aberta. Entrei na caixa metálica que me leva à minha casa suspensa no décimo andar. Ufa. Lá dentro, uma mulher que eu nunca vi disse: "Respira". Quê? "Respira. Vai dar tudo certo." Eu disse que ela era a única pessoa razoável em dezembro que não havia sido acometida pelo desespero total. Ela disse calmamente que estava indo para o casamento do filho. "Hoje???", surtei por ela —e os presentes do dia 24? "Sim, estou indo me arrumar", respondeu serena. Um temporal armava lá fora. O anjo desceu no sétimo andar. Eu tive três pisos ainda para obedecê-la: inspirei, expirei.
A árvore de Natal de Sísifo
Quando consegui enfiar a chave e abrir a porta, surpresa: a árvore de Natal estava no chão. Dois gatinhos de 600 gramas cada um conseguiram derrubar o enfeite de 1,80m. Procurei pelos dois filhotes —sim, adotamos dois gatos vira-latas em dezembro e estamos fazendo a adaptação com a gata maior no meio do caos. Ambos estavam vivos e sem escoriações dentro do sofá retrátil. Subi a árvore, comecei a recolher as bolas, recoloquei no lugar. No chão, as sacolas de compras, os papéis de presente, as funções pendentes e meu juízo. Só eu termino o ano meio cansada?
Ajeitei a estação de trabalho para fazer pacotes, e a árvore foi derrubada novamente. Parece 2024 —quando você acha que acabou, começa de novo. De onde tiramos esses gatos com superpoderes? Levanto o pinheiro, recoloco as bolinhas. Mais uma vez. Pá, no chão. Não eram gatinhos, era o Grinch. Eu choro. Na quarta vez em que os filhotes derrubaram a árvore e eu já tinha ligado o especial do Roberto Carlos. Gil cantou "A Paz" e eu quase recuperei a fé. Mas, dessa vez, o pinheiro não subiu. Os danados quebraram a base.
Meu filho entrou em casa (de bike), vindo de um passeio na avó. Eu disse que a árvore não ficava mais em pé e ele chorou. Disse que desmontaríamos a árvore dia 21 de dezembro. Meus pacotes me olhavam de cima da mesa. Eu tinha que fazer compras. Arrumar malas. E cozinhar —nesse domingo, o brunch de pré-Natal é aqui em casa.
Nos últimos 30 dias, todos nós entregamos 200 trabalhos urgentes, fomos a 150 confraternizações desnecessárias e ainda fizemos musculação umas três vezes (se muito). Não sei muito bem como, consegui emplacar dois shows de Caetano e Bethânia na última semana. E comprei o abacate do brunch a tempo de amadurecer (talvez tenha amadurecido demais). Mas de tudo, tudo mesmo, a função mais complicada para o adulto funcional em dezembro de 2024 é ficar feliz o tempo todo (afinal, é Natal!). Não pode reclamar. No Natal, gente como eu que vê a realidade estraga a harmonia do rolê. Tem que ser mágico! É como se as tragédias que passamos o ano vendo nos noticiários nunca tivessem existido. Tem neve dos filmes bobos da Netflix. Papai Noel vem aí. Uhu.
O mundo espera que você sorria harmonicamente, se penteie e depile o buço. E feche a porta da sala porque os gatinhos avançam na gata mais velha que os odeia mais do que eu odeio amigo secreto. "O que você quer de Natal?", eu escutei essa tarde. Nem pensei nisso. Voltar a trabalhar 15 horas por dia nas funções que domino, acho. Ai, nossa, mas você não deixa o espírito natalino te pegar? É que ainda não deu tempo...
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PS: Em três dias, estaremos plenos discutindo a necessidade de passas no arroz e festejando com quem a gente ama. É só um turbilhãozinho. Atravessemos. E festejemos.
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