Chico, Caetano e crachá da Globo: é isso que você precisa ver no fim do ano
Você já deve ter ouvido Caetano Veloso e Chico Buarque cantando "Você Não Entende Nada" e "Cotidiano" ao vivo em um palco televisionado. O dueto é parte do programa Chico e Caetano, que ambos tiveram na Globo, em 1986, com direito a crachá e tudo.
Quem vive de fuçar dueto no YouTube e vê a série, que está no Globoplay, pensa que não tem nenhuma novidade nisso —os artistas provam o contrário, soando atuais e novos 40 anos depois.
"Você Não Entende Nada", de Caetano, é a voz de um marido inquieto encarando os distanciamentos de um casamento. Ela não entende nada do que ele diz, mas é bonita.
Nada o consola, mas ele bebe a Coca-Cola que ela traz, senta, fuma, come e não aguenta: quer tocar fogo no apartamento e ela nem sequer acredita. Ele quer ir embora. E quer que ela, que já está ali, venha com ele. É contraditório mesmo: quem vai entender?
"Cotidiano", de Chico, é a versão acomodada da mesma música. Todo dia é igual, do café da manhã ao jantar. E todo dia ele pensa em poder parar, em dizer não, em fazer diferente. Mas é o próprio cotidiano que o engole, quando pensa na vida para levar e se cala com a boca de feijão. Aí é dormir para ser sacudido às 6h, igual ontem e igual amanhã. Resignado.
Pautado na pasmaceira que é a rotina e naquela vontade de dar uma sacudida que vem nesta época do ano, dá um alento ouvir o par de músicas que abrem o espetáculo. Mas o que vem depois é o oposto de constância, num desfile de convidados improváveis.
Rita Lee entoa, fantasiada, "I Like You Very Much", de Carmen Miranda, em inglês, com um sotaque alemão inventado e dotes cênicos de hipnotizar. Depois, encontra com Bethânia no palco e as duas cantam "Baila Comigo", se Deus quiser.
Chico, com um cigarro bem aceso na mão (eram os anos 1980, eu explico para a criança intrigada que assiste à cena ao meu lado), entoa "Anos Dourados" e seus insanos dezembros que ficam felizes na fotografia. "Te amo? Não lembro", diz a letra de Tom Jobim. O próprio Tom participa de outro episódio do programa, como uma confraria de amigos.
Caetano quase pede desculpas (uma prática que usa até hoje) pelo interesse na cena do rock brasiliense antes de chamar Legião Urbana ao palco —um tímido Renato Russo vestindo a camisa da Plebe Rude diz que aquela participação é para colocar no currículo.
E tocam (e dança) aquela história sobre a menina que lhe ensinou quase tudo que ele sabia, que fazia muitos planos, enquanto ele só queria estar ali. Caetano entra no palco, com a apresentação encerrada, encantado com a coreografia, que tenta imitar.
De repente, entra Evandro Mesquita, e o trio faz uma interpretação da canção de Noel Rosa "Gago Apaixonado" (em arranjo duvidável). Os três seguem, aos solavancos, para tentar chegar no coração fingido daquela que fez um estrago e o deixou gago de nervoso.
Na plateia, um elenco Global que partiu ou morreu. O jogo é reconhecer "quem era aquele mesmo?" ou achar alguém conhecido (eu juro que vi meu pai, que jamais pisou em um estúdio de TV).
Ainda tem Paulo Ricardo, tem Baden Powell, tem Mercedes Sosa e Milton Nascimento, tem Ney Matogrosso... tem muito mais. Na aula de história da cultura brasileira que são os nove episódios, há sempre algo para aprender. Tim Maia, aliás, foi ao ensaio e faltou na gravação. Quer Brasil mais Brasil?
Há quase 37 anos, Caetano recebe o convidado Gil com um longo selinho na TV antes de quase rezar: "Quem dera, pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera".
É bem assim que a gente encerra o ano: querendo compreender, quem dera. E, com sorte, dando selinhos nos nossos. "Todo dia", como nos cotidianos que nem sempre a gente entende, mas toca.
Que 2025 seja gentil e, quando pesar, a gente possa buscar as forças no que fomos lá atrás.
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PS: Esse texto é para a Rosana Miranda, com quem divido a dor e a delícia.
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