Luciana Bugni

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Opinião

Grávida de Taubaté e a invenção da fake news: não aprendemos nada

Há 13 anos, uma mulher de Taubaté, cidade do interior de São Paulo, aparecia na TV com uma barriga inverossímil, porém, impressionante —sua gestação, ela garantia, era quádrupla. A história foi esmiuçada pela TV e pela internet e todo mundo falava de como podia alguém estar tão grávida. As chances de ter quatro filhos de uma vez são de 1 em 15 milhões.

Pois o reinado da grávida de Taubaté durou pouco mais de um ultrassom (falso). A apresentadora Chris Flores olhou a barriga com desconfiança e pediu para um repórter checar. Ali descobriram se tratar de uma gravidez de silicone, sem nenhum bebê, muito menos quatro.

Essa história chamou muita atenção à época e volta à mídia agora porque Maria Verônica, a gestante impostora, falou nas redes sociais sobre sua conversão religiosa. Todo mundo lembrou o vexame que foi ter caído nessa lorota.

Se a grávida de Taubaté virou símbolo de farsa nacional, dá para dizer que ela inventou a fake news em uma época que a inteligência artificial era papo para filme de Tom Cruise. Ela criou a mentira in loco, sem Photoshop, ostentando aquela pança enorme e pouco crível —e não é que acreditaram?

Pouco depois do momento em que Maria Verônica inventou seu roteiro e figurino com documentação falsa para enganar todo mundo, Chris Flores mostrou em rede nacional como funciona a checagem. Mentira existe desde que o mundo é mundo, mas dá sempre para ir até lá, olhar com os próprios olhos para crer de verdade. É isso que o jornalismo profissional decente faz: ouve, checa, reporta. E desconfia.

Em janeiro de 2012, Chris Flores entrevistou a Grávida de Taubaté no programa Hoje Em Dia
Em janeiro de 2012, Chris Flores entrevistou a Grávida de Taubaté no programa Hoje Em Dia Imagem: Reprodução/RecordTV

Há 13 anos, nem sonhávamos que o planeta estaria com essa pinta de acabar. O fim do mundo, aliás, estava marcado para aquele 2012 mesmo e parecia mais inofensivo que essa versão de apocalipse que põe fogo nas florestas enquanto a galera aplaude meia dúzia de bilionários em um palco.

A ascensão meteórica da tecnologia levou a internet para os nossos bolsos enquanto a prótese da grávida caia por terra. Espalhar mentira ficou incrivelmente mais fácil desde então —é impossível ter uma Chris Flores atenta para cada barriga de mentirinha. Por isso existem as agências de checagem e a imprensa profissional contínua entregando seu suor em nome de fatos.

Andamos perdendo de lavada: Mark Zuckerberg anunciou que em suas redes vai se poder mentir à vontade. Ele chamou de liberdade de expressão. No WhatsApp, ninguém tem controle de nada e fake news virou um negócio bem rentoso.

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São incontáveis as grávidas falsas que circulam nas telinhas que o pessoal scrolla o dia inteiro. Às vezes nem é só a barriga que nunca existiu —as pessoas também são criadas. Tem gente namorando hologramas.

Tem gente acreditando em absurdos e duvidando de jornalista todo dia. É como se houvessem, a pedido do próprio usuário de internet, legalizado as barrigas fake em um tipo de "me engana, por favor, que eu gosto muito".

Uma pena que uma gestação quádrupla inventada que deixou jornalistas e público constrangidos pela própria boa-fé não tenha nos ensinado nada. Curioso: quando o jornalismo comete algum erro e noticia alguma inverdade, que é necessariamente corrigida em erratas logo na sequência, a gente chama de barriga.

Triste que os magnatas da tecnologia —e aparentemente seus usuários— tenham escolhido acreditar em barrigas criadas por pessoas aleatórias. Treze anos depois, eu, Chris Flores e a classe toda assistimos impotentes à derrota.

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Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

10 comentários

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Carlos Augusto Amaecing Langbeck

As pessoas têm uma tendência histórica a acreditar em informações falsas, e essa questão é amplamente discutida na psicologia e na ciência da comunicação. Um dos motivos centrais é o viés de confirmação, de forma que os indivíduos buscam informações que reforcem suas crenças preexistentes, ignorando ou descartando dados que contrariam suas convicções. Isso facilita a aceitação de fake news que alinham-se com suas visões de mundo. Além disso, fatores como a influência da mobilização político-partidária e as emoções também influenciam. Sabe-se também que uma parte considerável da população pode facilmente confiar em informações enganosas devido a uma falta de habilidades críticas para avaliar a veracidade das fontes que consomem. Portanto, a crença em fake news não é um fenômeno novo, mas uma questão complexa que envolve tanto aspectos psicológicos quanto sociais.

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Gabriela Campedelli

São apenas monólogos. 

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Gabriela Campedelli

Bom, está complicado de vocês me ouvirem, não é? Dai perguntam porque não respondemos? Ué, eu não respondo porque o problema coletivo de vocês é que ele é individualista pra caramba. 

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