Luciana Bugni

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Opinião

E a Branca de Neve que trocou o príncipe por um esquerdomacho?

Faz tempo que eu escuto que não existe príncipe encantado. Todo mundo aconselha desde o começo da vida adulta, quando começamos a perder a inocência, que não é para esperar por isso. O príncipe encantado não vai chegar em um cavalo branco para nos resgatar.

Ok, entendemos. Todo mundo entendeu. Até a Branca de Neve. Essa, que realmente foi resgatada por um beijo doce de um príncipe, agora vai depender da ajuda de um esquerdomacho para salvar sua vida na versão live-action do filme. Que reviravolta. Saem os valores tradicionais e entra empatia e direitos humanos.

Esquerdomacho, me explica o Chat GPT após algumas tentativas de diálogo, serve para homens que têm ideias progressistas, mas continuam perpetuando ideais machistas.

Eles sabem que feminismo é importante, palestram muito bem sobre o interseccionalidade porque já leram Patricia Hill Collins, mas na hora de encarar aquela pilha de louça... bem, eles não encaram nada. O esquerdomacho fala muito bem sobre aquelas coisas que deixam a gente suspirando "que homão". Mas quem dá a descarga que eles não acham assim tão importante apertar somos nós mesmas.

O "princeso" —não-príncipe de Branca de Neve— é um ladrão estilo Robbin Hood, que rouba dos ricos para dar para os pobres, indignado com as injustiças sociais causadas pelo governo da rainha má, a madrasta da nossa heroína. Sim, a história segue sendo sobre uma velha ruim e um jovem homem que resolve tudo.

O rapaz junta sua turma para fazer justiça, um militante do reino. Distribui a riqueza. Não se conforma com seus privilégios de homem branco hétero cis. Entendeu tudinho, pensa Branca, que concorda com os ideais do rapaz, se encanta com ele e parte ao seu lado na luta por um mundo mais justo.

No vai e vem da trama, sabemos o que acontece: maçã envenenada, sono eterno, beijo sem consentimento. Afinal, ele não sabia dos poderes mágicos de seus lábios e estava apenas se aproveitando de uma mulher desmaiada. Está aí algo que um esquerdomacho não faria, segundo o discurso padrão da classe. Eles sabem que não é não. Eles entendem que vulnerabilidade feminina não é oportunidade. Eles estão longe de replicar o machismo que seus pais se esforçaram tanto para perpetuar de geração em geração. Será?

O que eles fariam, entretanto, é deixar a roupa molhada dentro da máquina de lavar por tempo suficiente para o cheiro de umidade nunca mais sair delas. Eles terceirizariam a organização das festas infantis dos branca-de-nevinhos para a mãe. O celular da pediatra eles talvez nunca salvem, pois precisam de tempo para bets questionáveis nos dias da rodada futebolística no reino.

O papo é moderninho, mas a atitude em casa é bem tradicional. Fez um ovo frito? Quer aplauso. Seu feminismo de rede social brada por salários iguais para homens e mulheres, mas se recusa a aceitar que as toalhas molhadas não saem sozinhas de cima da cama. Apesar de militar bonito, daquele jeito que empolga a gente, no grupo de Whatsapp dos Robbin Hood, ele recebe pornografia e aceita piada homofóbica sem dizer um a. Entende o conceito de mansplaining, mas se considera um pouco injustiçado com a força que as mulheres adquiriram no que chama de empoderamento errado. Na dúvida, interrompe o que estamos dizendo para explicar o que já sabemos. O feminismo correto é aquele que não afeta seus privilégios e mantém seu café passado na hora certa.

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De homem desconstruído, o reino agora está cheio. Resta saber por qual deles realmente vale a pena ser beijada e com quem fazer "princesinhos" não é uma roubada. Boa sorte, Branquinha!

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Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

27 comentários

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Jorge Rodrigues Marques

Cruz credo! Por essas e por outras estou muito bem, vivendo sozinho. Tá complicado. Não existe príncipes encantados, e também não existem princesas encantadas. Lavar ou deixar de lavar louça não faz de ninguém mais ou menos machista. Conheço muito homem que faz todo tipo de serviço doméstico e que, no entanto, é machista até o último fio de cabelo. A verdade é que essa busca pelo homem ideal, pela mulher ideal é uma armadilha emocional e afetiva da qual não há escapatória, pois revela a natureza carente e eternamente insatisfeita do ser humano. Independente de gênero; disto ou daquilo. 

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Walter Carvalho Almeida

O pior momento para um leitor é quando ele imagina que fará uma leitura produtiva, saudável, sobre um tema relevante, e acaba se deparando com uma verdadeiras "sopa de letras" que nada diz, desprovida de lógica e totalmente despropositada.

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Jos R P Braga

Lu, se eles morassem em casas separadas 90% desses problemas não existiriam, talvez o cheiro de mofo na roupa incomodasse quando se encontrassem. Acho engraçado que as feministas não abandonem o casamento (morar junto) este aspecto tão estruturante do patriarcalismo...

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